Procurações/Jurisprudência
PROCURAÇÃO. FORMA
Caso especial (Procuração conferida também no interesse do procurador ou de terceiro (art.º 116.º/2 do CN):
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
SOCIEDADE POR QUOTAS. REPRESENTAÇÃO EM JUÍZO. DESISTÊNCIA DO PEDIDO. PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL.
"A procuração conferida também no interesse do procurador deve ser lavrada por instrumento público.
Trata-se de exigência ou requisito de forma que deve considerar-se uma formalidade ad substantiam.
Se desrespeitada a forma legal exigida para o negócio jurídico unilateral que é a procuração, a mesma é inválida para efeitos de se poder buscar nela, por interpretação, o interesse do mandatário, por válidas não serem as declarações de vontade constantes do escrito particular.
Não qualificada a procuração como outorgada no interesse do procurador ou mandatário, vale a regra geral da liberdade de revogação, quer da procuração quer do substabelecimento dos poderes nela contidos.
Nada dispondo em especial sobre a matéria os “Estatutos” de uma sociedade comercial por quotas, não pode uma pessoa, mediante simples invocação da qualidade de gerente na procuração forense, desistir validamente do pedido em que a sociedade pretende ver declarada a ineficácia da alienação de imóveis do seu património, reclamando poderes de representação social sem demonstrar estar autorizado pela assembleia geral da sociedade para, mediante desistência, dispor do direito cujo reconhecimento fora peticionado."
(Ac. STJ, Proc. 1961/09.0TBSTB.E1.S1, de 25.10.2011, disponível em https://www.dgsi.pt)
(Fundamentos: resumo)
" (...)
Ora, antes de mais, deve notar-se que as procurações conferidas também no interesse do procurador devem ser lavradas por instrumento público, do mesmo passo que as que confiram poderes gerais de administração civil ou de gerência comercial, para fins que envolvam confissão, desistência ou transacção em pleitos judiciais, ou representação em actos que devam realizar-se por escritura pública ou para cuja prova seja necessário documento autêntico, devem ser conferidas, no mínimo, por documento autenticado por notário, estando os respectivos substabelecimento sujeitos à mesma forma – art. 116º C. Notariado.
O requisito de forma, exigido pelo n.º 3 desse art. 116º para as procurações conferidas também no interesse do procurador ou de terceiro, nada refere ou esclarece sobre a necessidade de constar do instrumento público a declaração relativa ao interesse do procurador.
Assim, tem-se entendido que a existência ou não do interesse do mandatário ou de terceiro, que deva ter-se por relevante para efeitos da irrevogabilidade do mandato, não decorre pura e simplesmente de uma tal declaração constar ou não da procuração, antes havendo que apreciar, designadamente por via interpretativa, se concreta e efectivamente ela foi conferida no interesse do mandatário (ou de terceiro), pois que “a concessão da representação voluntária tem de ter um fundamento, uma relação que lhe subjaz, mas com ele não se confunde. Seja ele uma relação de mandato (a representação não é essencial ao mandato) seja outra relação, nem a representação é este fundamento nem este é aquela” (Ac. STJ, de 3/6/1997, BMJ- 468º-361).
No caso sob apreciação, seja pelo conteúdo dos poderes conferidos, seja para efeito da ora pretendida irrevogabilidade, a procuração estava submetida por lei a determinada forma. Trata-se de formalidade não destinada apenas a fazer prova da declaração, antes pretende garantir a ponderação, além de colaborar na formação da vontade do representado, devendo, por isso, considerar-se o cumprimento do preceituado no art.º 116º do C. N. uma formalidade ad substantiam (cfr. CALVÃO DA SILVA, “Procuração”, in ROA – 2007-II-731/753).
Consequentemente, porque desrespeitada a forma legal exigida para o negócio jurídico unilateral que é a procuração, a mesma é inválida, designadamente para efeitos de se poder buscar nela, por interpretação, nos termos dos arts. 236º e 238º C. Civil, o interesse do mandatário, pela óbvia razão de válidas não serem as declarações de vontade constantes do escrito particular – art. 220º C. Civil.
Acresce que, mesmo que assim não fosse, isto é, ainda que não se revelassem contrariadas as razões da forma especial exigida, não se vislumbra no texto do documento a mínima expressão, ainda que imperfeita, no sentido de a vontade do declarante ir no sentido daquele interesse, tutelado com a irrevogabilidade unilateral.
Bem pelo contrário, do texto do documento constam, como descrito expressões a apontar em sentido diferente do defendido pela Recorrente como a alusão a poderes conferidos «individualmente», à fixação de um prazo preciso de validade da procuração e ainda (sobretudo) à expressa previsão de poder ser «revogado pela sociedade», ou seja, unilateralmente, antes de decorrido o prazo de caducidade de um ano.
Nada autoriza, assim, que se qualifique a procuração como outorgada no interesse do procurador ou mandatário, pelo que, valendo a regra geral da liberdade de revogação prevista no art.º 265 nº2 do C. Civil, não há fundamento para retirar eficácia à revogação quer da procuração quer do substabelecimento dos poderes nela contidos, como considerado no acórdão recorrido.
(...)
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:
MANDATO. CADUCIDADE. PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL. PROCURAÇÃO POST MORTEM. DOAÇÃO. TESTAMENTO. REVOGAÇÃO. LEGADO.
"I) - O art. 1174º do Código Civil estabelece vários fundamentos de caducidade do contrato de mandato, um deles é a morte do mandante. Todavia, essa caducidade não ocorre se o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, o que se compreende, por nesse caso, o mandato não servir apenas a realização dos interesses do mandante mas de outrem, que tanto pode ser o mandatário como um terceiro ou ambos.
II) – A lei não define o que seja o “interesse do procurador ou de terceiro” que se deva considerar relevante para afastar o princípio geral da caducidade do mandato por morte do mandante.
III) – Quer o mandato, quer a procuração não são revogáveis apenas por do contrato ou do acto jurídico unilateral (caso da procuração), constar expressamente uma cláusula de irrevogabilidade; relevante é que da relação basilar, que está na origem da decisão do “dominus”, resulte a existência de um interesse conferido no interesse do mandatário, ou representante, ou de terceiro, que incorpore um direito subjectivo que transcenda o mero interesse do mandante ou do representado.
IV) – Não é pela via da pretensa caducidade do contrato de mandato – pela morte do mandante – e dos poderes por si conferidos em procuração irrevogável, que a representante/mandatária estava impedida de celebrar o contrato de doação previsto naquele; quanto à procuração tendo ela sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro, a convencionada irrevogabilidade só pode ser derrogada se houver acordo do procurador ou de terceiro, a menos que exista justa causa – nº3 do art. 265º do Código Civil.
V) - O donatário, no caso herdeiro legitimário do mandante, é terceiro com interesse, tendo em conta a relação basilar, do mandante de dispor dos seus bens em favor de um herdeiro, pelo que, pese embora a mandatária ter optado por celebrar por escritura pública a doação que lhe era concedida, quer pelo contrato, quer pela procuração, depois da morte do mandante, há que considerar formalmente válido o contrato de doação já que ao intervir na escritura como donatário.
VI) – Ficcionando-se pelo teor do mandato e da procuração, que os negócios abrangidos nesse contrato, por mor da não caducidade resultante da morte do mandante, são como que celebrados em vida do mandante.
VII) – No testamento – art. 2179º, nº1, do Código Civil – que é um acto de vontade unilateral do testador e não um contrato, como é a doação – art. 940º, nº1, do citado diploma – o autor do testamento pode livremente revogá-lo e pode fazê-lo não só através de um novo testamento, em que expressamente exprime vontade de disposição do seu património incompatível com a precedente – art. 2312º – ou fazê-lo tacitamente, nos termos do art.2313º do diploma legal citado.
VIII) – Existe ainda disposição revogatória tácita do testamento, se através de válida disposição de vontade, pela via de contrato de mandato antes referido e através da procuração irrevogável a ele associada, o autor do testamento, estando em causa como está a sucessão testamentária onde foi feita uma liberalidade (assim se devem entender os legados feitos à Autora), concede poderes que autorizam o mandatário e procurador a dispor dos seus bens sem restrições em favor de um seu herdeiro legitimário.
IX) – A procuração em causa não é uma procuração post mortem destinada a produzir efeitos após o decesso do dominus; do que se trata, no caso, é da eficácia dos actos após a morte do dominus, já que por vontade dele a procuração irrevogável foi querida para valer e ter eficácia antes e após a sua morte – os efeitos começaram em vida do representado e sobrevivem à sua morte..
(Ac. STJ, Proc. 67/1999.E1.S1, de 13.07.2010, disponível em (https://www.dgsi.pt)
(Fundamentos: resumo)
"Conforme se refere na fundamentação do douto acórdão:
"A irrevogabilidade da procuração nunca é absoluta.
Mesmo quando resulta do interesse primário do procurador ou de terceiro, exclusivo ou concorrente com o do constituinte, a procuração pode sempre ser revogada com o consentimento de todos os titulares dos interesses fundamentais e quando ocorra justa causa de revogação”.
Assim, entendemos ser de toda a conveniência que a menção a levar ao conteúdo da procuração esclareça se a procuração é conferida também no interesse do procurador, ou no interesse deste e de terceiro ou de terceiros, ou apenas no interesse de terceiro ou de terceiros e, no caso de ser também no interesse de terceiro ou de terceiros, achamos de toda a conveniência que se mencionem elementos que permitam identificar esse terceiro ou terceiros (nome e NIF, p. ex.), sob pena de, não indicando esses elementos, não ser possível proceder à revogação por mútuo acordo, pois desconhece-se a identidade do terceiro ou terceiros.
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
PROCURAÇÃO. REVOGAÇÃO. CONSENTIMENTO. CÔNJUGE.
"I – Constitui justa causa de revogação da procuração - ( outorgada no interesse do próprio mandatário e com poderes irrevogáveis, na qual se atribuiu poder para vender ou prometer vender a quem e pelo preço e sob condições tidas por convenientes)- , para efeitos do art.265 nº3 do CC, a venda de dois prédios por preços muito inferiores ao real, designadamente num caso por cerca de 1/6 e noutro de 1/3 do seu valor.
II - O consentimento conjugal, nos termos do art.1682-A nº1 a)do CC, não pode ser dado em termos gerais, por se exigir a especificação do acto, mesmo por via indirecta, embora não seja indispensável a indicação de todos os elementos do negócio." (Ac. TRC, Proc. 397/03.0TBACN.C1, de 19.01.2010, disponível em (https://www.dgsi.pt)
(Fundamentos: resumo)
"(...)
O artigo 268º do CC ocupa-se da representação sem poderes, isto é, do acto praticado em nome e por conta de outra pessoa sem que, para tanto, existam os necessários poderes de representação (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Parte Geral, T. 4, pág. 109).
Por outro lado, a representação sem poderes assume duas vertentes, a da falta de poderes e a de excesso de poderes (A. Varela, CC Anotado, Vol. 1, 3ª Ed., pág. 248, nota 5., e Mota Pinto, T. G. Direito Civil, 1ª Ed., pág. 416).
Já vimos, como resulta dos factos provados, que assim foi, que a dita procuração, utilizada na escritura, não dava poderes para o réu vender aquele indicado prédio, em nome da A., apenas conferia poderes para vender outro prédio urbano e vários prédios rústicos.
O réu agiu, por isso, como representante sem poderes, vendendo tal prédio urbano 2222...., em nome e por conta da A. Mas vendeu-o a si mesmo. O comprador foi o próprio réu.
O negócio consigo mesmo, previsto no art.º 261º, nº1, do CC, é uma manifestação particular dos negócios celebrados por representante sem poderes, e está ferido de anulabilidade e não de ineficácia, como “prima facie” se poderia pensar e se teria de concluir, se o caso não estivesse expressamente hipotizado em norma especial (Mota Pinto, ob. cit., pág. 416/417).
É portanto anulável, a não ser que o representado tenha especificadamente consentido na celebração.
Ora, está comprovado que a A. não consentiu especificadamente nessa venda, com a emissão da procuração de 2.8.02, utilizada na referida escritura pelo réu, nem se provou que tivesse posteriormente consentido na mesma, confirmando-a, pelo que a mesma venda está ferida de anulabilidade.
Que, necessariamente, terá de ser declarada a final.
6.E (…) e A (…) , são casados no regime da comunhão de adquiridos.
Carece do consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime da separação de bens, a alienação (…) de imóveis próprios ou comuns. – art.º 1 682-A nº 1, a), do CC.
O consentimento conjugal sempre que seja legalmente exigido não pode ser dado em termos gerais, deve ser especial para cada um dos actos (art.º 1 684, nº 1, do CC).
Só assim se garante a reflexão e a ponderação que, com perfeito conhecimento de causa, a lei exige do cônjuge que consente no acto (Prof. Pereira Coelho, D. Família, Vol. I, 4ª Ed., pág. 396).
Ensina Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. 4º, 2ª Ed., pág. 308, que é necessário concretizar o acto, especificando a operação de que se trata.
Mas a exigência da especificação, continua tal Mestre, não envolve, porém, a necessidade de indicar todos os elementos do negócio a realizar, designadamente a identidade da pessoa com quem o contrato deva ser celebrado. Se não é especial a autorização dada, por exemplo, para vender bens imóveis, já deve considerar-se como tal o consentimento prestado para o outro cônjuge vender o prédio X, embora se não mencione o preço, nem a pessoa do comprador. Essencial é que o cônjuge autorizante saiba qual é a coisa a que a alienação por ele consentida se refere. E nada obsta mesmo a que a concretização se faça, na declaração, por via indirecta, por exemplo mediante a indicação da freguesia onde o imóvel se situa, contanto que a referência baste para, da posição do declarante, individualizar a coisa de que se trata.
(...)"
4. "Negócio consigo mesmo" versus "interesse do procurador ou de terceiros":
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
PRINCÍPIO DISPOSITIVO. NEGÓCIO CONSIGO MESMO. PROCURAÇÃO. REVOGAÇÃO. JUSTA CAUSA. INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL. TEORIA DE IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO.
" I - Se o tribunal só pode pronunciar-se, por via de regra, sobre os factos alegados pelas partes, já quanto à subsunção da matéria de facto à norma jurídica, à determinação das normas legais a aplicar na decisão, quer quanto à estatuição e às consequências de tal aplicação normativa, não está adstrito ao princípio do dispositivo, conquanto que não altere a causa de pedir, em cujos limites se deve manter.
II - O denominado negócio consigo mesmo, que é celebrado por uma só pessoa que intervém, simultaneamente, a título pessoal e como representante de outrem ou como representante ao mesmo tempo de mais de uma pessoa é anulável, a não ser que o representado tenha, especificadamente, consentido na celebração, ou que o negócio exclua por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses.
III - As procurações que estão na base do negócio consigo mesmo são, livremente, revogáveis, por simples vontade do representado, excepto se, simultaneamente, das mesmas constar que são passadas no interesse do próprio procurador, hipótese em que não podem ser revogadas sem acordo do interessado salvo ocorrendo justa causa.(sublinhado nosso)
IV - A expressão “pelo preço, condições e cláusulas que achar por convenientes”, constante do teor da procuração que está subjacente ao negócio consigo próprio, deve ser interpretada no sentido em que o faria um declaratário normal, isto é, de “um preço equilibrado e justo”, o preço real de mercado que garante a lealdade de comportamento que o representante deve assumir, para poder, de boa fé, gerir a conflitualidade dos interesses em presença, de forma a estabelecer o necessário equilíbrio, sob pena de uma alienação por um valor desfasado da realidade ser um índice objectivo e seguro do abuso da representação. " (Ac. STJ, Proc. 532/2001.L1.S1, de 25.06.2013, disponível em (https://www.dgsi.pt)
(Fundamentos: resumo)
"(...)
Efectivamente, o negócio celebrado pelo representante consigo mesmo, seja em nome próprio, seja em representação de terceiro, é anulável, a não ser que o representado tenha, especificadamente, consentido na celebração, ou que o negócio exclua, pela sua própria natureza, a possibilidade de um conflito de interesses, atento o preceituado pelo artigo 261º, nº 1, do CC.
A primeira parte do normativo legal, acabado de transcrever, consagra a figura do negócio consigo mesmo «stricto sensu» ou do auto-contrato, ou seja, quando “o representado tenha, especificadamente, consentido na celebração”, de modo a não poder duvidar-se que o representado previu e quis consentir nele, porquanto, assim, deixa de existir o perigo de o representante poder prejudicar o representado.
A isto acresce que as procurações que permitem ao procurador fazer negócios consigo mesmo são, livremente, revogáveis pelo representado, por simples vontade deste, excepto se, simultaneamente, das mesmas constar que são passadas, no interesse do próprio procurador (procuração in rem suam ou procurações, impropriamente, designadas por irrevogáveis), hipótese em que, só, então, ficam sujeitas ao regime previsto no artigo 265º, nº 3, do CC, ou seja, “não podem ser revogadas sem acordo do interessado salvo ocorrendo justa causa”. Com efeito, mesmo no caso em que a procuração é conferida, também, no interesse do próprio procurador, a mesma pode ser revogada, com acordo de ambos ou ocorrendo justa causa.
E a revogação da procuração, como específica causa extintiva dos poderes representativos que contém, deve ser levada ao conhecimento de terceiros, por meios idóneos.
(...)"
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
NEGÓCIO CONSIGO MESMO. PROCURAÇÃO. PODERES REPRESENTATIVOS. NEGÓCIO FIDUCIÁRIO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. DECLARAÇÃO DE VONTADE. INTERPRETAÇÃO. CONFISSÃO. ILAÇÃO. FORÇA PROBATÓRIA.
" I) - O negócio consigo mesmo, também apodado na doutrina portuguesa de auto-contrato, acto jurídico consigo mesmo tem, na sua base, a emissão de uma procuração, o que coloca a questão dos poderes representativos, convocando o normativo do art. 258º do Código Civil.
II) - Se a outorga de poderes representativos implica uma relação de fiducia do representado no representante, confiando aquele que os seus interesses são eficazmente defendidos, mais exigente deve ser a actuação do representante a quem, além da representação, são conferidos poderes para negociar consigo mesmo, sendo aqui claro que, a um tempo, representa o emitente da procuração e ele mesmo – evidente situação de auto-contrato.
III) - É condição de validade do negócio consigo mesmo, que não haja conflito de interesses, no acto de constituição ou conclusão do negócio. O representante deve agir com imparcialidade, probidade, moralidade e fiducia, zelando os poderes que lhe foram conferidos pelo representado.
IV) - O conflito de interesses pode decorrer de excesso ou abuso de representação. Não pode o representante, mesmo no caso de assentimento do representado, agir de modo egoísta, acautelando apenas os seus próprios interesses, compete-lhe; simultaneamente, a defesa dos interesses do contraente que representa.
V) - Na execução do contrato, autorizado pela procuração, não estava o procurador dispensado de actuar segundo as regras da boa-fé – art. 762º, nº1, do Código Civil – mais a mais se, por via da procuração com poderes para vender a si mesmo, estava implicada uma forte relação de confiança, por via de laços familiares, o que desde logo, postulava um acrescido dever de zelar pelos interesses da representada.
VI) - O facto da procuração autorizar, muito latamente, a procuradora a alienar a fracção “pelo preço, condições e cláusulas que achasse por convenientes podendo negociar consigo mesmo”, não poderia valer como carta branca para um negócio que descurasse o interesse do representado que, naturalmente, pretenderia que o imóvel fosse vendido pelo valor real e corrente, pelo preço de mercado como é usual nos negócios imobiliários, observada a exigível ética negocial, postulada pela actuação de boa fé.
VII) Aquela declaração de vontade da representada deve ser entendida como o faria um declaratário normal – art. 236º, nº1, do Código Civil – colocado na posição da procuradora, ou seja, que o preço deveria ser um preço justo de harmonia com a regras da oferta e da procura no mercado imobiliário, e não uma venda por qualquer preço, nem tão pouco pelo preço que mais conviesse, apenas e tão só, aos interesses do comprador enquanto outorgante de contrato consigo mesmo.
VIII) - Não dispondo o Tribunal de quaisquer elementos sobre o valor real da fracção à data do negócio feito pela recorrida, o certo é que, como consta de Q) e R) dos factos assentes, “Com referência à escritura de 1990, o Autor e Maria Manuela Pereira não pagaram o preço da compra declarado na escritura” e “a Ré e o seu marido, o interveniente Rui Vidal, não receberam o preço declarado na escritura 4 000 000$00”.
IX) - Que o negócio consigo mesmo exorbitou de forma consciente o interesse da representada, está o ter-se provado – facto X) da matéria de facto – que “o Autor e chamada sabiam que com a escritura de compra e venda prejudicavam a Ré.”
X) - Sabendo a interveniente procuradora que, com a compra e venda que ela e o seu então marido fizeram, prejudicaram a Ré e que, volvidos cerca de onze anos reportados à data da propositura da acção, não pagaram o preço da alienação, manifesto é que o negócio foi intencionalmente lesivo da representada, não tendo a sua procuradora actuado de boa fé e em protecção da confiança que nela depositou a emitente da procuração.
XI) - O não pagamento do preço apenas significaria, se o negócio fosse eficaz em relação à representada, mora dessa obrigação inerente ao contrato oneroso de compra e venda – arts. 874º e 879º c) do Código Civil – não deixando o contrato de ter alcançado a perfeição, mas na perspectiva de ajuizar a conduta da procuradora, esse é um facto revelador da actuação intencional lesiva do direito da representada, que implicava a contrapartida do lesto pagamento do preço da alienação, preço esse que, inquestionavelmente, representasse o valor venal da coisa.
XII) - Tendo a representante exorbitado os poderes representativos, agindo com animus nocendi, tal como o interveniente seu ex-marido, o negócio de compra e venda celebrado em 27.6.1990, pelo preço de quatro mil contos, relativo à fracção autónoma “BC” da Ré, por ter sido celebrado com abuso dos poderes de representação, é ineficaz em relação à representada e ao seu ex-marido, nos termos dos arts. 268º e 269º do Código Civil, sendo certo que não houve ratificação.
XIII) - A força probatória da escritura pública, enquanto documento autêntico – arts. 363º, n.º2, e 369º, n.º1, do Código Civil – não abrange senão os factos que são referidos como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo e os que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.
XIV) - Pretende a recorrente procuradora que o pagamento do preço se tem de considerar confessado, e que, na qualidade de procuradora dos vendedores, recebeu o preço da compra no dia em que foi celebrada a escritura pública de compra e venda. Esta declaração constante de documento autêntico à luz do citado nº2 do art. 358º do Código Civil, tem força probatória plena, pese embora a peculiar circunstância de por se tratar de negócio consigo mesmo, a confissão ser feita, paradoxalmente, ao confitente que, sendo o comprador, declara ter pago o preço àquele que representava (a ré vendedora).
XV) - Da prova testemunhal, aqui admissível, resultou provado que o preço nunca foi pago à Ré vendedora, pelo que a declaração constante da escritura pública não foi verdadeira, não podendo a ora recorrente prevalecer-se da declaração por ela mesmo feita respeitante ao pagamento do preço.
XVI) - Nada há a censurar à ilação que a Relação tirou para afirmar que o preço não foi pago pela compradora, com base na ponderação de se tratar de um negócio consigo mesmo tendo a compradora afirmado que pagou o preço – afirmação que não faz prova plena porque não percepcionada pelo documentador – não sendo da experiência comum considerar, paradoxalmente, que a compradora “pague a si mesmo” o preço para depois o entregar à vendedora, facto que, ademais, não resultou provado. " (Ac. STJ, Proc. 532/2001.L1.S1, de 25.06.2013, disponível em (https://www.dgsi.pt)
(Fundamentos: resumo)
"(...)
O Código Civil adoptou como regra a proibição do negócio consigo mesmo, abrindo, no entanto, excepções no sentido da validade do negócio.
Essas excepções são três:
- quando uma disposição especial da lei permita o negócio;
- quando o representado consinta, em determinados termos, na realização do negócio;
- quando “o negócio exclua por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses” (art. 261.°, n.°l, in fine, do Código Civil)”.
Se a outorga de poderes representativos implica uma relação de fiducia do representado no representante, confiando aquele que os seus interesses são eficazmente defendidos, mais exigente deve ser a actuação do representante a quem, além da representação, são conferidos poderes para negociar consigo mesmo, sendo aqui claro que, a um tempo, representa o emitente da procuração e ele mesmo – clara situação de auto-contrato.
A lei exige o assentimento para o auto-contrato e, como é inerente ao acto jurídico unilateral (procuração), [onde avulta o cariz intuitu personae e a confiança no representante], o representado confia na sua honesta actuação, já que colocou nas mãos do representante a condução do negócio em que este está duplamente interessado, pelo que o risco de actuação lesiva (tendência para o auto-favorecimento) não é de somenos, dada a possibilidade de existirem interesses conflituantes.
É condição de validade do negócio consigo mesmo, que não haja conflito de interesses no acto de constituição ou conclusão do negócio, pois se houver conflito de interesses, o contrato é anulável.
O representante deve agir com imparcialidade, probidade, moralidade e fiducia, zelando os poderes que lhe foram conferidos pelo representado.
Como refere Pais de Vasconcelos – “Teoria Geral do Direito Civil” – 2005 – pág. 481, acerca dos negócios fiduciários (observamos que não se pode deixar de considerar essa componente no negócio consigo mesmo):
“A fidúcia tem inerente o risco de infidelidade. A característica principal dos negócios fiduciários consiste na especial confiança depositada pelo fiduciante no fiduciário.
O fiduciário é tipicamente uma pessoa de confiança do fiduciante, pessoa em relação a quem o fiduciante tem a certeza de que vai cumprir, pessoa que não lhe suscita quaisquer dúvidas, quer quanto à seriedade, quer quanto à vontade de cumprir.”
O conflito de interesses pode decorrer de excesso ou abuso de representação.
Não pode o representante, mesmo no caso de assentimento do representado, agir de modo egoísta, acautelando apenas os seus próprios interesses, sob pena de anulabilidade.
Compete-lhe a defesa dos interesses do outro contraente que representa. Como ensina o Professor Galvão Telles, in “Manual dos Contratos em Geral”, pág. 319:
“Sendo dois, e contrários, os interesses em presença, e uma só a vontade que os defende; estando de todo eliminada a luta, como meio de alcançar equilíbrio e justiça na conjugada realização daqueles interesses, obra de uma pessoa única – há grave perigo do iníquo sacrifício de um dos interessados em prol do outro”.
Estas palavras são da maior acuidade se nos lembrarmos que, se até na clássica negociação, podem existir desequilíbrios contratuais, desprotecção e lesão de uma das partes, muito maior é o risco daquele que intervém sozinho na formação e conclusão do contrato, agindo, ele mesmo, em defesa de interesses seus e, também, dos daquele que representa.
Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil” – 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto – págs.551 e verso:
“O chamado negócio consigo mesmo, p. ex. A procurador de B, compra em nome próprio um objecto que vende em nome de B (auto-contrato) —, manifestação particular da representação sem poderes (na medida em que o negócio é perfeitamente válido, desde que o representado tenha especificadamente consentido na celebração), está ferido de anulabilidade (art. 261º) e não de ineficácia, como, prima facie, se poderia pensar e se teria de concluir se o caso não estivesse expressamente hipotizado em norma especial (art. 261º).
A razão de ser da proibição do negócio consigo mesmo é impedir dada a colisão de interesses, um prejuízo para o representado ou para um dos representados.
Por identidade de razão deve ter lugar uma aplicação analógica da proibição do artigo 261° a casos de igual colisão de interesses: p. ex., a hipótese de o representante nomear um outro representante e concluir com este um negócio sobre o património do representado.
Haveria uma possibilidade de fraude ao artigo 261° se o seu conteúdo proibitivo não abrangesse, por aplicação analógica ou directa, a hipótese exemplificada no período anterior”.
Como se decidiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 3.3.1998, in BMJ 475, 610.
“I – O negócio consigo mesmo, “negotium a semet ipso”, é o celebrado por uma só pessoa, que intervém simultaneamente a título pessoal e de representante de outrem, ou como representante ao mesmo tempo de mais de uma pessoa.
II – Tal contrato, porque envolve perigos evidentes, como seja, desde logo, a circunstância de o representante se sentir tentado a sacrificar os interesses do representado em benefício dos seus, é anulável, conforme o disposto no artigo 261º, nº1, do Código Civil.
III – A viabilidade da anulação do negócio fica afectada desde que se possa concluir pela existência de consentimento ou confirmação do representado, caso em que o mesmo, de anulável, em princípio, passa a ser inteiramente válido.” .
(...)"
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
NEGÓCIO CONSIGO MESMO. LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA. GERENTE. ADMINISTRADOR. DIRECTOR. DEVER DE DILIGÊNCIA.
I – O negócio consigo mesmo comporta duas modalidades:
- o negócio consigo mesmo stricto sensu, em que a pessoa age, simultaneamente, em nome próprio e como representante; e
- a dupla representação, em que a pessoa age em representação de duas partes;
II – As pessoas em cujo interesse a lei estabelece a anulabilidade do negócio consigo mesmo, conferindo-lhes legitimidade substantiva ou legitimidade em sentido material (que traduz o complexo de qualidades que representam pressupostos de titularidade, por um sujeito, de certo direito que invoque), são apenas os representados, excluindo-se os terceiros eventualmente prejudicados com o negócio;
III – O dever de diligência consagrado no art. 64º do Cod. Soc. Com. desdobra-se em dois deveres: de cuidado (ou diligência em sentido estrito – gestor criterioso e ordenado – os administradores hão-de aplicar nas actividades de organização, decisão e controlo societários o tempo, esforço e conhecimento requeridos pela natureza das funções, as competências específicas e as circunstâncias) e de lealdade (no interesse da sociedade) – os administradores devem ter em vista exclusivamente os interesses da sociedade e procurar satisfazê-los, abstendo-se de promover o seu próprio benefício ou interesses alheios. "
(Ac. TRP, Proc. 0835545, de 05.02.2009, disponível em https://www.dgsi.pt).
(Fundamentos: resumo)
" (...)
Este negócio comporta duas modalidades:
- o negócio consigo mesmo stricto sensu, em que a pessoa age simultaneamente em nome próprio e como representante;
- a dupla representação, em que a pessoa age em representação de duas partes.
O negócio consigo mesmo é, em princípio, proibido e, por isso, anulável, tendo legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece – art. 287º nº 1 do CC.
Na base desta proibição estão os perigos que podem advir deste contrato: o representante sentir-se-á tentado, na primeira hipótese, a sacrificar os interesses do representado em benefício dos seus e, na hipótese da dupla representação, poderá prejudicar os interesses de um dos representados em benefício dos do outro[3].
Assim se compreendem também as excepções previstas no citado art. 261º nº 1:
- haver consentimento do representado – consentimento que tem de especificar o negócio a realizar, pois só assim há a garantia de que o representado tem consciência dos riscos que corre; o representado não tem de fixar as condições do negócio consentido; o que se pretende é a individualização do negócio;
- a de o negócio excluir, por sua natureza, a possibilidade de conflito de interesses; isto é, quando não haja possibilidade de lesão do interesse do representado, como ocorre habitualmente quando haja predeterminação do conteúdo do contrato, cumprimento de uma obrigação ou doação feita pelo representante ao representado[4].
Resta acrescentar que é controvertida a questão de saber se existe negócio consigo mesmo se o agente actuar como órgão de duas ou mais pessoas colectivas.
É sabido que, apesar de nessa situação se aludir a representação (cfr. art. 6º nº 5 do CSC), esta não equivale a representação em sentido técnico, tratando-se antes de um modo cómodo e sugestivo de exprimir os nexos de organicidade que imputam, ao ser colectivo, a actuação dos titulares dos seus órgãos[5]. Em rigor, os "representantes" não representam a pessoa colectiva: são parte integrante desta[6].
Daí que parte da doutrina[7] e da jurisprudência[8] defenda que, na hipótese apontada, não existe negócio consigo mesmo.
Como se afirma no citado Ac. do STJ de 15.05.97, no negócio consigo mesmo, a mesma pessoa física aparece a representar, no acto, duas entidades diferentes ou a actuar em nome próprio e como representante de outrem. Não é o caso de alguém intervir como representante de duas sociedades. A personalidade destas sobrepuja a do mandatário.
Outros Autores[9] e decisões[10] integram na "representação", para efeitos do art. 261º do CC, a representação orgânica.
Como refere Galvão Teles, nestas situações há contrato consigo mesmo; quer o director contrate em nome próprio ou em nome alheio, e quer no primeiro caso proceda no seu interesse ou no interesse doutrem, sempre contrata consigo mesmo, desde que por outra parte intervenha em representação da sociedade.
Sendo este, em síntese, o regime legal aplicável, analisemos o caso dos autos.
Ficou provado que foi celebrado um contrato de compra e venda entre as sociedades J………., Lda e K………., Lda do imóvel identificado nos autos, tendo intervindo no negócio o réu marido que o outorgou na qualidade de sócio, em representação da compradora e na qualidade de gerente, em representação da vendedora.
Provou-se ainda que, em Assembleia Geral da ré “J………., Lda", de 31.03.2000, “antes do fecho da sessão o gerente referiu-se ao elevado montante de capitais alheios a que a empresa tem necessidade de recorrer para fazer face aos seus compromissos, salientando que seria aconselhável proceder à venda do edifício como forma de reduzir o endividamento e diminuir os custos financeiros tendo os presentes por unanimidade decidido que a resolução deste assunto ficasse a cargo do gerente da empresa, senhor L……… .
O negócio assim realizado não constituiria, na primeira tese atrás indicada, um negócio consigo mesmo, atenta a qualidade em que interveio o gerente e sócio, respectivamente, da vendedora e da compradora.
Diferente seria a solução na referida segunda tese, que inclui o órgão, como "representante" da sociedade, no conceito de "representante" para efeitos do citado art. 261º: estaremos em presença de um negócio consigo mesmo, na modalidade da dupla representação, já que a mesma pessoa interveio no negócio como "representante" de duas sociedades distintas.
Sendo evidente que o negócio não exclui, por sua natureza, a possibilidade de um conflito de interesses, deve, por outro lado, reconhecer-se que, através da deliberação da Assembleia Geral de 31.03.2000, a representada "J………., Lda" não consentiu especificadamente na celebração daquele contrato.
Na verdade, confiar ao gerente a resolução do assunto, que consistia na venda do edifício fabril como forma de reduzir o endividamento e diminuir os custos financeiros, pode traduzir-se numa autorização genérica de venda daquele edifício, mas não revela que a representada tenha previsto o negócio com o representante consigo mesmo e que lhe deu o consentimento para tal.
É certo que, como afirmámos, o representado não tem de fixar as condições do negócio, mas tem de o individualizar. Isto é, terá de, por forma clara, inequívoca, enunciada e particularizada[11] autorizar o representante a vender a si mesmo.
Situação que não ocorreu no caso dos autos.
A venda efectuada é, na tese indicada, anulável, nos termos do citado art. 261 nº 1.
(...)"
[3] Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 4ª ed., 243.
[4] J. Duarte Pinheiro, Ob. Cit., 164 e 165; Pires de Lima e Antunes Varela, ibidem; Vaz Serra, RLJ 100-130 e Rodrigues Bastos, Notas ao CC, Vol. II, 12.
[5] Menezes Cordeiro, Manual do Direito das Sociedades, Vol. I, 726.
[6] Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 3ª ed., 332; C. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., 316.
[7] J. Duarte Pinheiro, Ob. Cit., 146.
[8] Cfr. Acórdãos do STJ de 15.05.97 e de 18.05.2006, em www.dgsi.pt.
[9] Vaz Serra, Ob. Cit., 130; Galvão Teles, O Direito, ano 87-1955, 21; Raul Ventura, Sociedades por Quotas, Vol. III, 177; Ilídio Duarte Rodrigues, A Administração das Sociedades por Quotas e Anónimas, 196.
[10] Acórdãos da Rel. de Lisboa de 10.10.2006 e da Rel. do Porto de 15.11.2007, no mesmo sítio da Net.
[11] Acórdão desta Relação de 30.05.85, reproduzido por A. Leite Faria, em Negócio Consigo Mesmo, 40.
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
NEGÓCIO CONSIGO MESMO. CONTRATOS CELEBRADOS ENTRE SOCIEDADES COM ADMINISTRADOR COMUM. LEGITIMIDADE PARA ARGUIR A ANULABILIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO.
" 1. Não impedindo a lei que o administrador de certa sociedade seja designado administrador de outra sociedade que com aquela se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou seja, o exercício simultâneo de funções de administrador, em ambos os tipos de sociedade, a nulidade contemplada pelos nºs 2 e 3, do art. 397º, do CSC, mesmo quando relativa à coligação de sociedades, em relação de domínio ou de grupo, contende sempre com os contratos celebrados entre os administradores de uma e as sociedades integradas nessa relação de domínio ou grupal, e não já com os negócios jurídicos outorgados pelas próprias sociedades, ainda que por intermédio de um administrador.
2. Quando a lei não faz a indicação concreta das pessoas legitimadas para arguir a anulabilidade, recorre-se a uma directiva, de carácter genérico, segundo a qual só os titulares do interesse para cuja específica tutela a lei a estabeleceu a podem invocar, o que, no caso do negócio consigo mesmo, pertence, tão só, aos representados, excluindo-se dessa legitimidade substantiva, enquanto terceiros, eventualmente, lesados com o negócio jurídico celebrado entre o representante e o representado, a entidade expropriante. " (Ac. TRC, Proc. 69/04.9TBACN.C1, de 12.09.2006, disponível em (https://www.dgsi.pt)
(Fundamentos: resumo)
"(...)
Preceitua o artigo 261º, nº 1, do Código Civil (CC), que “é anulável o negócio celebrado pelo representante consigo mesmo, seja em nome próprio, seja em representação de terceiro, a não ser que o representado tenha especificadamente consentido na celebração, ou que o negócio exclua por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses”.
A razão de ser da proibição do negócio consigo mesmo, manifestação particular da representação sem poderes, porquanto o negócio é, perfeitamente, válido, desde que o representado tenha, especificamente, consentido na sua celebração, concretizando os termos do negócio, ou, então, quando o conteúdo deste tenha sido predeterminado, como sucederia se os representados ou, pelo menos, a locadora, tivessem encarregado o representante de arrendar os prédios, por um preço fixo, consiste em impedir, face à iminente colisão de interesses, um prejuízo para o representado ou para um dos representados, sendo certo, porém, que desaparece a «ratio» da proibição do auto-contrato se o negócio excluir, por sua natureza, a possibilidade de um conflito de interesses, ou se apenas trouxer vantagens ao representado[ Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2005, 551 e 552 e nota 769; Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, 1988, II, 12; STJ, de 15-12-89, BMJ nº 384º, 584.].
Trata-se de uma manifestação clara de dupla representação, no sentido da celebração de negócio mediante a isolada intervenção do representante de duas terceiras pessoas, distintas dele próprio, o que, à partida, como já se salientou, possibilitaria a fragilização de uma das partes, atendendo ao presumível conflito de interesses, naturalmente, suscitado entre os mandantes.
Não se tendo provado, na hipótese em apreço, nenhumas destas duas excepções, os contratos de arrendamento rural estão feridos de anulabilidade e não de ineficácia, em conformidade com o estabelecido pelo artigo 261º, nº 1, do CC. Porém, o negócio anulável, não obstante o vício de que enferma, é, em princípio, tratado pela lei como válido, a menos que seja anulado, no prazo legal e pelas pessoas com legitimidade para o fazerem, sob pena de passar a ser considerado, definitivamente, válido, uma vez que a anulabilidade não pode ser, oficiosamente, declarada pelo Tribunal.
Assim, dispõe o artigo 287º, nº 1, do CC, que “só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento”.
Quando a lei não faz a indicação concreta das pessoas legitimadas para arguir a anulabilidade, como acontece, v.g., nos casos dos artigos 125º, 254º e 1687º, todos do CC, recorre-se a uma directiva de carácter genérico, segundo a qual só os titulares do interesse para cuja específica tutela a lei a estabeleceu a podem arguir[ Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2005, 622.].
Ora, as pessoas em cujo interesse a lei estabelece a anulabilidade do negócio consigo mesmo são, tão-só, os representados, excluindo-se os terceiros, eventualmente, lesados com o negócio jurídico celebrado entre o representante e o representado.
(...)"
5.Procurações ditas irrevogáveis "que contenham poderes de transferência da titularidade de imóveis" - sujeição a IMT:
O REGIME FISCAL DAS PROCURAÇÕES IRREVOGÁVEIS EM IMT - in DGCI Centro de Formação José Maria Fernandes Pires NOVOS FACTOS SUJEITOS A IMT:
"(...)
Estabelece a alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IMT que há lugar a transmissão de imóveis na “outorga de procuração que confira poderes de alienação de bem imóvel ... sempre que, por renúncia ao direito de revogação ou clausula de natureza semelhante, o representado deixe de poder revogar a procuração”.
O imposto incidirá sempre que o representado fique inibido de livremente revogar a procuração, independentemente da forma contratual que preveja a inibição desse direito. Incidirá também sempre que da procuração conste uma clausula de renúncia, pelo emitente da procuração, ao direito de revogação, bem como de quaisquer outras clausulas que o impeçam de a revogar livremente.
Pode tratar-se de uma clausula contratual expressa ou implícita, podendo ela consistir numa estatuição contratual de que a procuração é emitida no interesse do procurador, caso em que, como vimos, o n.º 3 do artigo 265.º do Código Civil, impede o representado de revogar a procuração sem o acordo do procurador, salvo ocorrência de justa causa. Emitida a procuração, o legislador considera imediatamente consumada a transmissão, (artigo 5.º do IMT), devendo o imposto ser liquidado e pago antes da outorga do contrato, como determina o n.º 2 do artigo 22.º do Código do IMT.
O imposto incidirá também na outorga de procurações da mesma natureza relativas a partes sociais ou de quotas nas sociedades em nome colectivo, em comandita simples ou por quotas que possuam bens imóveis, sempre que as quotas ou partes sociais representem mais de 75% do capital social, ou 100% sendo marido e mulher casados num dos regimes de comunhão. Nestes casos segue-se o mesmo regime das restantes procurações irrevogáveis. (sublinhado nosso)
Após a outorga da procuração irrevogável, o procurador pode transmitir a terceiros os poderes ou direitos que lhe foram conferidos, através do mecanismo do substabelecimento. O artigo 264.º do Código Civil determina que o procurador se pode fazer substituir por outrém se o representado o permitir ou se essa faculdade resultar do conteúdo da procuração ou da relação jurídica que a determina.
Em qualquer caso de substituição do procurador por terceiro, sendo a procuração irrevogável e conferindo poderes de alienação do bem, ocorrerá um novo facto gerador de imposto, cujo sujeito passivo será o procurador substituto, como determinam as normas antes citadas. Em caso de posteriores substituições ou substabelecimentos, produzir-se-ão novos factos sujeitos a imposto.
O sujeito passivo do imposto é o procurador (alínea g) do art.º 4.º do IMT), sem que possa beneficiar de qualquer tipo de isenção ou redução de taxa.
Desta forma, e por força do disposto na alínea g) do artigo 4.º do CIMT, a taxa aplicável na liquidação, tanto ao procurador como aos substabelecidos, será sempre de 5% ou 6,5%, em conformidade com a natureza dos prédios.
(...)"
(Disponível em https://www.irn.mj.pt/sections/irn/legislacao/publicacao)
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS. TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE. RESOLUÇÃO DE CONTRATO. DEVOLUÇÃO DO IMPOSTO. PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL. SUJEIÇÃO A IMPOSTO.
" I – A outorga de procuração irrevogável que confira poderes de alienação de imóveis ao mandatário, considera-se transmissão onerosa determinando a liquidação e o pagamento de IMT antes da outorga notarial da respectiva procuração (artºs 2º, nº 3, alínea c) e 22º, nº 2, ambos do CIMT).
II – Deste modo, ainda que o negócio para o qual a procuração foi outorgada não chegue a realizar-se, não é aplicável o disposto nos artºs 22º, nº 4 e 44º, nº 1 ambos do CIMT, uma vez que para efeitos de IMT o acto translativo concretizou-se.
III – Todavia, pode haver lugar a anulação proporcional do imposto, ao abrigo do artº 45º do CIMT, se, antes de decorridos oito anos sobre a transmissão, vier a verificar-se a resolução do contrato. " (Ac. STA, Proc. 0386/10, de 10.03.2011, disponível em (https://www.dgsi.pt)
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