Criar um Site Grátis Fantástico






Total de visitas: 113222

Procurações

Procurações


PROCURAÇÃO. FORMA

1. Regra geral:

João Nuno Calvão da Silva - Procuração (artigo 116.º do Código do Notariado e artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março
"(...)
a) Regra: igualdade de forma entre a procuração e o negócio jurídico representativo
Tendo em conta a independência da procuração relativamente ao negócio representativo, seria de esperar que, no domínio da forma, a regra para aquela fosse a não exigência da solenidade requerida para este. É esta, aliás, a solução vigente nos ordenamentos jurídicos suíço e germânico (37).
No CC português, a opção, porém, foi diversa, consagrando-se, como regra geral, a sujeição da procuração à forma exigida para o negócio principal(38)(39). Dispõe o artigo 262.°, n.° 2:
“Salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar.”
Na base desta previsão legislativa, parece ter estado o pensamento de Vaz Serra: “Mas, se a procuração não é parte do negócio a realizar pelo representante, não estando por isso, como tal, sujeita às formalidades prescritas para este, pode a razão dessas formalidades compreender o acto pelo qual o interessado atribui poderes de representação a terceiro. (…) Se, por exemplo, com a exigência de formalidades, se pretende assegurar a ponderação do interessado, evitando que levianamente realize o negócio em questão, essa finalidade abrange a procuração, que é o único acto em que se manifesta a vontade do interessado.”(40)
(...)
b) Excepções à equiparação formal entre a procuração e o negócio jurídico representativo: em especial, do artigo 116.° do Código do Notariado
Conforme resulta expressamente da primeira parte do ar-tigo 262.°, n.° 2, do CC (“Salvo disposição legal em contrário”), o princípio da equiparação formal entre o acto concessor de poderes representativos e o negócio que o procurador deva realizar comporta excepções(47).
No presente trabalho, importa-nos analisar a excepção constante do disposto no artigo 116.° do Código do Notariado(48), preceito que estipula:
“1 — As procurações que exijam intervenção notarial podem ser lavradas por instrumento público, por documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura ou por documento autenticado.
2 — As procurações conferidas também no interesse do procurador ou de terceiro devem ser lavradas por instrumento público cujo original é arquivado no cartório notarial.
3 – Os substabelecimentos revestem a forma exigida para as procurações.”(49)(50)
Vale por dizer: a procuração pode ser verbal ou escrita, consoante os negócios a concluir sejam consensuais ou requeiram forma escrita; quando para estes se exija escritura pública, aquela pode assumir a forma de instrumento público, documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura ou por documento autenticado.
Na síntese de Antunes Varela e Pires de Lima, “O n.° 2 [o artigo 262.°, n.° 2, do CC] contém uma regra que, em face dos princípios expressos no artigo 127.° do Código do Notariado [actual artigo 116.° do CN], será seguramente de aplicação pouco frequente quanto a actos em que deva haver intervenção notarial. É, no entanto, uma regra geral de aplicação certa nos casos em que se exija para o acto apenas a forma escrita. Quando assim seja, a procuração deve igualmente ser passada por escrito. Em relação a actos para os quais se não exija sequer a forma escrita valerá a procuração verbal.”(51) (parêntesis e itálico nossos 'da fonte')
Destarte, o legislador entende que a intervenção do notário assegura a liberdade e a ponderação do dominus e garante o esclarecimento deste acerca do sentido e alcance da procuratio, dispensando, por isso, o formalismo a que esta, de acordo com a regra geral do artigo 262.°, n.° 2, do CC teria de obedecer, no caso de negócios representativos para os quais é exigida escritura pública.(52)
(...)"
(disponível em www.oa.pt)

(Notas de rodapé da fonte:)


2. Da substância do acto "procuração

Conforme vimos acima no douto trabalho do ilustre mestre João Nuno Calvão da Silva, publicado em www.oa.pt, como princípio geral,  a exigência da forma da procuração acompanha a do próprio negócio, salvo disposição legal em contrário. 

São diversos os casos em que a lei estabelece para a procuração forma diversa da do ato representativo. Umas vezes exigindo forma mais solene, outras menos solene e outras ainda dispensando-a mesmo de formalidades. A título de exemplo podemos citar o art.º 39.º/2, do CRPredial, em que se estipula não carecerem de procuração para pedir o registo: a) Aqueles que tenham poderes de representação para intervir no respetivo título, nos quais se haverão como compreendidos os necessários às declarações complementares relativas à identificação do prédio; b) Os advogados, os notários e os solicitadores".

Também o art.º 40.º do NCPC refere que "O mandato judicial pode ser conferido: a) Por instrumento público ou por documento particular, nos termos do Código do Notariado e da legislação especial; b) Por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo."  

Neste âmbito, temos ainda o artigo único do Decreto-Lei n.º 267/92, de de 28 de Novembro, que estabelece: "1 - As procurações passadas a advogado para a prática de actos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário, ainda que com poderes especiais, não carecem de intervenção notarial, devendo o mandatário certificar-se da existência, por parte do ou dos mandantes, dos necessários poderes para o acto. 2 - As procurações com poderes especiais devem especificar o tipo de actos, qualquer que seja a sua natureza, para os quais são conferidos esses poderes.".Este Decreto-Lei diga-se, surge na senda do artigo único do Decreto-Lei 342/91, de 14 de Setembro, onde se estipula:" É abolido o reconhecimento notarial da assinatura de advogado no acto de substabelecimento, deixando de constituir fundamento de recusa de aceitação o não reconhecimento notarial da assinatura do advogado que o subscreve.

Porém, sem dúvida os mais relevantes, são os casos previstos no art.º 116.º do CN já no referido trabalho do eminente mestre sabiamente tratados. Naquele art.º 116.º do CN se refere "As procurações que exijam intervenção notarial", ou seja, as procurações pelas quais se atribuam poderes para praticar qualquer ato que por lei (ou por convenção ou vontade das partes, pensamos nós, cfr. art.º 364.º/1 do CC) exija a intervenção notarial, podem revestir uma das seguintes formas: instrumento público; documento particular autenticado ou por documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura.

Naturalmente que aquele art.º 116.º do CN ao fazer alusão às procurações pelas quais se atribuam poderes para praticar qualquer ato que por lei ou, como dissemos, por vontade das partes, segundo entendemos, exija a intervenção notarial, está a referir-se ao ato em si, independentemente da entidade que nele intervém. Deste modo, a procuração que atribua poderes para a prática de ato para o qual a lei exija que revista aforma de documento particular autenticado, basta ser passada  por documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura, independentemente da entidade que preside ao ato ser notário, conservador, oficial de registos, advogado, solicitador ou agente consular.

Delimitados assim os aspetos formais, tracemos agora algumas notas sobre os requisitos de conteúdo do ato "procuração"

Desde logo, claro está, que a entidade que intervém no ato "procuração" não poderá deixar de se certificar da capacidade e de verificar a identidade dos signatários. Pensamos que também aqui se aplica a deliberação n.º 1/CD/2014, do Conselho Diretivo do IRN, I.P., disponível em www.irn.mj.pt: desde que sejam atribuídos poderes para a prática de atos de valor igual ou superior a 15.000€, a verificação da identidade deverá ser feita por cartão de cidadão, bilhete de identidade ou documento equivalente, ou ainda por passaporte. De fora ficam pois as demais formas da verificação da identidade (conhecimento pessoal, abonadores ou carta de condução).

Não tem porém a entidade de verificar a legitimidade dos signatários para a prática do ato. Assim, não terão os signatários de comprovar a titularidade dos imóveis, nem tão pouco terá a entidade que intervenha na procuração de fazer referência ao número ou aos números de descrições prediais. A procuração não titula ato sujeito a registo e, portanto, não lhe é aplicável o disposto no art.º 54.º/1 do CN, muito embora o número de descrição predial seja um elemento suscetível de individualizar os imóveis.

Porém, se a procuração atribuir poderes para praticar ato sujeito a registo (predial ou comercial) já deverá observar o disposto no art.º 47.º/1/a, do CN, a), ou seja, conter a menção do nome completo do cônjuge e do respectivo regime matrimonial de bens, se a pessoa a quem o acto respeitar for casada, por força do n.º 2 do mesmo preceito legal. Do mesmo modo que, se algum dos intervenientes for solteiro, deverá constar a menção de que é maior, quer do texto da procuração, quer do ato lavrado pela entidade que nela intervém. O mesmo se diga, relativamente aos intervenientes signatários que não tenham a nacionalidade portuguesa, deverá constar a respetiva nacionalidade.

Seguindo o mesmo princípio de que os atos se devem bastar-se a si próprios, não poderá a entidade que intervenha no ato de deixar de se  certificar da qualidade e dos poderes, quando os signatários intervêm em representação de outrem. Assim, por exemplo, entendemos que a entidade que intervém, seja no reconhecimento da assinatura, seja na autenticação, seja no instrumento de substabelecimento (o substabelecimento deve revestir a forma da procura ção, cfr, art,º 116.º/4 do CC), deverá certificar-se não só da qualidade de procurador de quem substabelece os poderes, como também se da procuração resultam os poderes de substabelecer (salvo nos casos em que de presumem, cfr. art.º 44.º/2, do NCPC) e se daquela constam os poderes que se pretendem substabelercer, de tudo isto fazendo menção no ato (reconhecimento, termo de autenticação ou instrumento público), por força do art.º 46./1/e do Código do Notariado.

Relativamente à capacidade do representante, tem-se entendido que “o procurador não necessita de ter mais do que a capacidade de entender e querer exigida pela natureza do negócio que haja de efectuar” (artigo 263.° do CC),pois a exigência da capacidade de exercício deste seria excessiva atenta a falta de interesse próprio na conclusão dos negócios, “ao núncio, bastará a capacidade natural para transmitir a declaração de vontade”, cfr.  nota (7) de rodapé, do douto trabalho do ilustre mestre João Nuno Calvão da Silva, publicado em www.oa.pt, e acima referido. No entanto,  o representante sempre terá que emitir uma declaração negocial própria, e o artigo 259.°, n.° 1, do CC determina ser “na pessoa do representante que deve verificar-se, para efeitos de nulidade ou anulabilidade da declaração, a falta ou vício da vontade, bem como o conhecimento ou ignorância dos factos que podem influir nos efeitos do negócio”, o que não acontece com o simples núncio. 

Além destes aspetos, que podemos designar de formalidades do próprio ato, temos então o conteúdo de fundo, ou seja, os poderes conferidos pela procuração.

De modo geral, todos os atos ou negócios jurídicos admitem a figura da representação. Apenas não é admitida a representação na prática de actos meramente pessoais (exemplo de escola, o testamento) mas também aqueles que impliquem conhecimento pessoal de factos (declarantes nos actos de habilitação de herdeiros ou de justificação). 

Relativamente ao âmbito dos poderes, o art.º 162.º/1 do CC, como vimos, define "procuração" como "o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos." Nada mais adianta, nomeadamente, sobre o grau de especificação que deve ser observado na atribuição de tais poderes.

Como se sabe [Não são confundíveis a representação e o mandato.

O mandato – art. 1175º do Código Civil – “É o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outrem” – é um contrato de prestação de serviço.

Confrontando a representação e o mandato, resulta, segundo Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil” – 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, pág. 541, que:

“a) Pode haver mandato sem haver representação, quando o mandatário não recebeu poderes para agir em nome do mandante; age por conta do mandante, mas em nome próprio: é o caso do contrato de comissão, regulado nos artigos 266° e segs. do Código Comercial, e do contrato de mandato sem representação, cuja regulamentação foi introduzida pelo Código Civil (art. 1180º), sendo análoga à daquele negócio da lei mercantil. b) Pode haver representação sem haver mandato, não só na hipótese da representação legal, mas também no que toca à representação voluntária: a representação voluntária resulta de um acto — a chamada procuração (art. 262°) — que pode existir autonomamente (negócio unilateral, qualificam-no os autores alemães e italianos) ou coexistir com um contrato que, normalmente, será o mandato, mas pode ser outro, como, por ex. o contrato de trabalho ou de agência.”], cfr. Ac. STJ, P.º 67/1999.E1.S1, de 13.07.2010, citado infra.

No mesmo sentido o Ac. STJ, Pr.º STJ_77/07.8TBCTBCTB.C1.S1 de 16-04-2009, disponível em www.dgsi.pt, onde se refere: [Como se sabe, o Código Civil de 1966 distingue claramente procuração – acto unilateral mediante o qual se concedem poderes de representação voluntária (artigo 262º) – e mandato – contrato através do qual uma das partes (o mandatário) se obriga a praticar actos jurídicos por conta de outrem (o mandante) – artigo 1157º (como expressamente explica Galvão Telles em Contratos Civis, pág. 173 e segs. do Boletim do Ministério da Justiça nº 83, em justificação da opção tomada no “projecto sobre contrato de mandato” então publicado)

Podem coexistir os dois actos, e haverá um mandato com representação – artigos 1178º e seg. do Código Civil, ou não, e existirá eventualmente ou um mandato sem representação – artigos 1180º e segs., ou uma procuração relacionada com qualquer outro acto jurídico, diverso do mandato. Como se observa no acórdão deste Supremo Tribunal de 5 de Julho de 2007 (disponível em www.dgsi.pt como proc. nº 07A1465), “a procuração encontra-se sempre integrada num negócio global, não operando de modo independente”].

O nível de especificação dos atos para os quais são atribuídos poderes costuma apoiar-se no art.º 1159.°, relativo ao mandato:

“1. O mandato geral só compreende os actos de administração ordinária.

2. O mandato especial abrange, além dos actos nele referidos, todos os demais necessários à sua execução.”

[Seguindo Menezes Cordeiro - vide nota (20) de rodapé, do douto trabalho do ilustre mestre João Nuno Calvão da Silva, publicado em www.oa.pt, e acima referido - “esta distinção aplicável à procuração, na base dum argumento histórico, dum argumento sistemático e dum argumento lógico a fortiori. Historicamente, (…) o facto de toda esta matéria se ter vindo a desenvolver a partir do mandato. O argumento sistemático aponta a unidade natural que deve acompanhar o mandato com representação: o mandatário irá receber os poderes necessários para executar cada ponto do mandato. Finalmente, o argumento lógico explica que não faz sentido ter uma lei mais exigente para um mero serviço – o mandato – do que para os poderes de representação, que podem bulir com razões profundas de interesse público e privado”. Vide Menezes Cordeiro, “ A 405.]

Talvez tendo por base estas raízes históricas, é muito frequente a utilização em procurações  das expressões  "mandantes" e "mandatário", para fazer referência, respetivamente, aos representados e ao representante. Ora,  quanto a nós, tais expressões são de evitar, pois quem titula o ato "procuração" nada sabe sobre a natureza do negócio que lhe está subjacente.

Voltando ao nível de especificação dos poderes e tomando como pano de fundo o mencionado art.º 1159.º/1, parece retirar-se daí que apenas é admitido atribuir poderes gerais, para a prática de atos de administração ordinária. Por exemplo, a procuração que atribua poderes para, como é comum ler-se "com livre e geral administração civil reger e gerir todos os bens dos 'mandantes'", confeririam poderes para a prática de atos de administração ordinária, relativamente a todos os bens dos representados. Esta procuração conferiria certamente poderes para dar de arrendamento a de aluguer quaisquer bens do(s) representado(s), desde que por prazo não superior a seis anos, já que de harmonia com o art.º 1024.º/1, do CC, "A locação constitui, para o locador, um acto de administração ordinária, excepto quando for celebrada por prazo superior a seis anos." E, neste caso de atribuição de poderes gerais de admin istração civil, como referem os ilustres mestres Pires de Lima e Antunes Varela, Cód, Civ. anotado, vol. II, 3.ª ed., Coimbra Editora, 1986, pág. "É indiferente que o mandato diga respeito a toda a esfera patrimonial do mandante, ou apenas a certa posição patrimonial (por ex, bens situados no Alentejo, prédios de Lisboa, bens do Brasil, atividades industriais). O sentido do mandato deve ser igual em qualquer deste casos."

Esta distinção entre a atribuição de poderes para a prática de atos de administração ordinária, atos de administração extraordinária e atos de alienaação ou oneração é muito importante. O art.º 1678.º/3 do CC, relativamente à administração dos bens do casal, faz alusão  à distinção entre administração ordinária e extraordinária, ao referir "Fora dos casos previstos no número anterior, cada um dos cônjuges tem legitimidade para a prática de actos de administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal; os restantes actos de administração (ou seja, aos atos de administração extraordinária) só podem ser praticados com o consentimento de ambos os cônjuges." Atos de administração extraordinária são  os que visam a realização de benfeitorias ou melhoramentos nas coisas ou a frutificação anormal (excepcional) dos bens, cfr. Ac. TRG, Pr.º 181/07-1, de 22.02.2007

Do mesmo modo, contribuem os art.ºs 1682.º e 1682.º-A do CC, para distinguir os atos de administração dos de alienação e de oneração. Citando, com o respeito devido, novamente o doutro trabalho do eminente mestre Dr. João Nuno Calvão da Silva, publicado em www.oa.pt, nota (19) de rodapé): [Nas palavras de Manuel de Andrade, actos de administração ordinária ou “Actos de mera administração serão pois os que correspondem a uma gestão patrimonial limitada e prudente em que não são permitidas certas operações – arrojadas e ao mesmo tempo perigosas – que podem ser de alta vantagem, mas que podem ocasionar graves prejuízos para o património administrado. Ao mero administrador são proibidos os grandes voos, as manobras audaciosas, que podem trazer lucros excepcionais, mas também podem levar a perdas catastróficas.” Vide Manuel de Andrade, Ob. cit., pág. 62.]

Deste modo, não será muito adequada a fórmula por vezes utilizada em procurações que referem "...ao qual concede poderes para, com livre e geral administração civil, reger e gerir todos os seus bens, móveis ou imóveis e, assim, para comprar, vender, hipotecar ou por qualquer forma alienar ou onerar...". O vocábulo "assim" quer esteja empregue como advérbio de modo, com o significado de "Deste (daquele ou desse) modo; Do mesmo modo.", quer esteja como conjunção, com o significado de "Logo" (cfr Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, disponível em https://www.priberam.pt), não faz parelha com a natureza bem distinta de tais atos.

Do que temos vindo a dizer, apenas relativamente à pratica de atos de administração ordinária é que a lei permite a atribuição de poderes genéricos. Não seria assim legalmente válida a procuração que atribuisse poderes, por ex., para o procurador "fazer o que quiser de todos os bens (ou de parte dos bens) do representado".

Então, qual o grau de especificação exigido para atribuição de poderes para prática de atos de alienação ou de oneração de imóveis. Afora, os casos especificamente previstos na lei, refere o citado art.º 1159.°/2, do CC: "O mandato especial abrange, além dos actos nele referidos, todos os demais necessários à sua execução". Contrapondo a expressão "O mandato especial" contida no n.º 2 com a "O mandato geral" prevista no n.º 1, ambos do citado art.º 1159.°, parece podermos retirar o sentido de que de facto, na atribuição de poderes para a prática de atos que não estejam no elenco de "actos de administração ordinária" devem ser especificados os atos ou o ato que o procurador fica autorizado a praticar em nome dos representados. Refira-se também a propósito o afrt.º 39.º/1, do Código do registo Predial, que estipula: "O registo pode ser pedido por mandatário com procuração que lhe confira poderes especiais para o ato." E o n.º 4 do mesmo artigo, delimitando o âmbito dos poderes  refere: "A representação abrange sempre a faculdade de requerer urgência na realização do registo, subsiste até à feitura do registo e implica a responsabilidade solidária do representante no pagamento dos respetivos encargos."

Esta exigência de individualizar o ato ou os atos não vai ao ponto de se entrar em especificações "minuciosas e até desnecessárias", dada a parte final do art.º 1159.º/2 do CC. A atribuição de poderes para a prática de determinado ato, abrange a prática de tal ato e todos os demais necessários à sua execução, ou no dizer dos citados mestres Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 712:"Desde que se encarregue o mandatário de praticar determinado ato, são-lhe conferidos, implicitamente, os poderes para a prática dos atos acessórios necessários à execução do ato principal".

Segundo os ilustres autores"Há acessoriedade se, entre eles e o acto principal se verifica um nexo de subordinação". E acrescentam: [Cunha Gonçalves (Tratado VII, n.º 1015), baseando-se na doutrina francesa, considerava como tais os atos "preparatórios, adjuvantes, dependentes, consequentes, ou condições legais dos actos mencionados. Citava, entre outros, os seguintes exemplos:

a) O mandato com poderes para vender compreende os poderes para receber o preço e dar a respetiva quitação;

b) O mandato de receber uma dívida hipotecária, inclui os poderes de dar quitação e autorizar o cancelamento da hipoteca;

c) O mandato de comprar, abrange o de receber a coisa comprada e de assinar a respetiva escritura.

Sem este princípio salutar de interpretação do mandato, obrigar-se-ia as pessoas a entrarem em concretizações minuciosas e desnecessárias na enumeração dos poderes conferidos", correndo-se sempre o risco de o mandato não alcançar os seus objetivos por falta de previsão e de providência quanto aos multiplos incidentes que a sua execução pode encontrar na prática."

Naturalmente que à interpretação do conteúdo da procuração, como ato jurídico que é, se aplica o disposto no art.º 236.º, do CC: as declarações contidas na procuração valem com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

Porém, competirá à contraparte perante quem é apresentada a procuração interpretar o seu conteúdo, tendo em contra o preceituado no citado art.º 236.º. Pensamos que não. Por exemplo, a procuração que contenha poderes para alienar determinado imóvel, poderá a contraparte perante a qual é apresentada, concluir que contém poderes para realizar um ato de permuta desse imóvel? Do mesmo modo que a procuração em que são atribuídos poderes para adquirir determinado imóvel, poderá entender-se que contém poderes para adquirir uma  parte indivisa (metade, um terço) desse imóvel? Pensamos que não. E nem se argumente que "quem pode o mais pode o menos", pois na verdade não se descortina aqui o mais ou o menos. O constiituinte ao atribuir poderes para praticar determinado ato, teve consciência dos riscos  assumidos e não espera que seja praticado um outro ato distinto, cujas consequências não previu. Na verdade, pode interessar-lhe adquirir determinado imóvel na totalidade, mas já a aquisição de parte indivisa não estará nos seus horizontes.

Deste modo, sem deixar de ter presente aquele princípio salutar da extensão dos poderes, decorrente da parte final do art.º 1159-º/2 do CC, pensamos que ou os poderes para a prática de determinado acto ou de determinados atos se encontram aí especificados, ou então apenas como gestor de negócios poderá o procurador intervir no ato.


3. Procurações com requisitos  especiais

I. Do consentimento conjugal (procurações entre cônjuges):

Em breve síntese, podemos dizer que;

I. Nos regimes da comunhão geral ou de adquiridos:

i) Relativamente a bens móveis, carecem do consentimento de ambos os cônjuges:

a) A alienação ou oneração de móveis comuns cuja administração caiba aos dois cônjuges, salvo se se tratar de acto de administração ordinária.(cfr. art.º 1682.º/1, do CC);

b) A alienação ou oneração de móveis utilizados conjuntamente por ambos os cônjuges na vida do lar ou como instrumento comum de trabalho (cfr.1682.º/3/a, do CC);

c) A alienação ou oneração de móveis pertencentes exclusivamente ao cônjuge que os não administra, salvo tratando-se de acto de administração ordinária.(cfr. 1682.º/3/a).

ii) Relativamente a bens imóveis, carecem do consentimento de ambos os cônjuges:

a) A alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis próprios ou comuns (cfr. art.º 1682.º-A/1/a);

b) A alienação, oneração ou locação de estabelecimento comercial, próprio ou comum (cfr. art.º 1682.º-A/1/b).

c) A alienação de herança ou de quinhão hereditário (cfr. art.º 2124.º, do CC)

d) O repúdio da herança ou legado (cfr. art.º 1683.º/2 do CC)

II. Qualquer que seja o regime de bens:

Relativamente à casa de morada de família, carece sempre do consentimento de ambos os cônjuges:

i) A alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre a casa de morada da família (cfr. 1682.º/2/a, do CC);

ii) Ainda relativamente à casa de morada de família, carece do consentimento de ambos os cônjuges (cfr. art.º 1682.º-B, do CC):

a) A resolução, a oposição à renovação ou a denúncia do contrato de arrendamento pelo arrendatário;

b A revogação do arrendamento por mútuo consentimento;

c) A cessão da posição de arrendatário;

d) O subarrendamento ou o empréstimo, total ou parcial.

Esta é, como dissemos, uma breve síntese dos atos para a prática dos quais a lei exige o consentimento de ambos os cônjuges.

O consentimento conjugal, nos casos em que é legalmente exigido, deve ser especial para cada um dos actos e deve revestir  a forma exigida para a procuração. O consentimento pode ser judicialmente suprido, havendo injusta recusa, ou impossibilidade, por qualquer causa, de o prestar (cfr. art.º 1684.º/1/2/3, do CC).

A determinação da forma que o consentimento deve revestir foi também levada ao Código do Notariado, aprovado pelo DL n.º 207/95, de 14 de Agosto, que no seu art.º 117.º estabelece: "São aplicáveis à forma do consentimento conjugal as regras estabelecidas para as procurações."

Em anotações ao Código do Notariado oficial, da DGRN, 1973, pág. 68, pode ler-se:

"- O mandato entre cônjuges paara a realização dos atos referidos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 1682.º do Código Civil não pode ter carácter geral.

É necessário que os poderes transferidos sejam certos e determinados.

A lei não repele que se transmitam, abstratamente, poderes de um cônjuge para outro.Todavia contenta-se com uma especificação claramente estabelecida, quer por forma direta, quer indiretamente.

É pois de aceitar uma procuração em que a mulher outorga ao marido poderes para vender os bens imóveis do casal situados em Portugal, à data em que a procuração é outorgada - Parecer do Conselho Técnico de 13 de Janeiro de 1969-P. 277".

E Acrescenta-se:

"- O disposto no artigo 1684.º, n.º 1 do Código Civil, não é aplicável à hipótese de ambos os cônjuges outorgarem uma procuração na qual concedem poderes a terceiro paraa realização de atos em que o casal seja interressado-Despacho de 19 de Outubro de 1967-P.101-N.21.

Ao estabelecer, expressamente, através das disposições consignadas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 1682.º do novo Código Civil, o mesmo princípio da especialidade nos casos paralelos do consentimento conjugal e da outorga dos poderes entre os cônjuges, o que o legislador deve ter pretendido foi evitar o contra-senso, possível na vigência do Código de 1867, de, por um lado, a autorização conjugal, quando exigida, ter de ser especial para cada acto, e, por outro, aceitar-se não estar o mandato (forma clássica que, na prática, a concessão da autorização em referência tomava) subordinado a idêntico condicionalismo, sendo, consequentemente, de admitir que um dos cônjuges pratique, mediante procuração outrogada pelo outro, esses actos, ainda que os respetivos poderes lhe tivessem sido conferidos em termos genéricos e indiscriminados.

- As nosmas contidas no art.º 1684.º, n,º 1, do Código Civil têm como fundamento e finalidade principais ou diretas, impedir que os cônjuges, mediante atribuição, um ao ooutro, de poderes indiscriminados, possam alterar na constância do casamento o próprio estatuto legal regulador das respetivas relações patrimoniais.

O seu domínio de aplicação é, pois, limitado às relações entre os cônjuges e, portanto, estranho à outorga de poderes a terceiros, quer por um quer por ambos os cônjuges - Despacho de 6 de Maio de 1969-P.3-N.23".

Quer por isto, quer por razões históricas do Código de 1867, quer por ambas as razões (ou de nenhuma), na prática usa-se maioritariamente, senão na totalidade dos casos, o seguinte:

a) Na atribuição de poderes entre cônjuges:

- Se o bem (ou bens) faz(em) parte do património comum do casal, então utiliza-se a pracuração para um dos cônjuges atribuir ao outro poderes para alienação ou oneração desses bens;

- Se o bem (ou bens) são próprios de um dos cônjuges, o outro cônjuge dá o seu consentimento àquele, pela forma exigida para a procuração;

B) Na atribuição dos poderes a terceiro:

- Para alienação ou oneração de bens comuns, ambos os cônjuges outorgam a procuração;

- Para alienação ou oneração de bens próprios de um dos cônjuges, este outorga a procuração, e o outro cônjuge, na própria procuração ou em documento separado dá o seu consentimento;

- Nos casos de atribuição para alienação ou oneração de bens que integrem as duas categorias (próprios e comuns), então é habitual ambos outorgarem a procuração a tribuir poderes para alienação ou oneração dos bens comuns, e acrescentar no próprio documento de procuração que os cônjuges dão recíproco consentimento para a práticas daqueles actos, telativamente aos bens próprios de cada um deles.

E esta prática está tão enraizada que, há casos mesmo que que, se o cônjuge em vez de prestar o seu consentimento, passar procuração ao outro cônjuge para a alienação ou oneração de bens próprios deste, a procuração é recusada.

Bem, antes de mais, queremos dizer que entendemos ser equivalente um dos cônjuges atribuir, através de procuração, poderes ao outro para alienar ou onerar bens próprios deste, ou através de documento dar o seu consentimento. Vejamos: 'A' pretende vender o prédio 'X', que é bem próprio dele, e solicita ao outro cônjuge 'B' o seu consentimento. 'B', em vez de documento de consentimento, passa procuração a 'A' ao qual confere poderes para vender aquele imóvel 'X'. Comparecendo 'A' para a realização do acto, pensamos não poderá dizer-se que o cônjuge 'B' não deu o seu consentimento. Na formalização do acto 'venda' pensamos que não será necessário constar do ato 'venda' que o interveniente 'A' intervèm naquele ato por si e em representação do seu cônjuge. Bastará fazer intervir 'A' em nome individual e no final mencionar que se arquiva procuração da qual resulta o consentimento do Cõnjuge 'B' para a prática daquele ato por 'A'.

De qualquer modo, sabemos que o património comum do casal é habitualmente designado de propriedade colectiva ou de mão comum, afeto a determinado fim, cfr. Prof. Antunes Varela, Direto da Família, Petrony, 1982, pag. 346.

O facto de o art.º 1730.º, n.º 1, do CC, prescrever que 'os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão, tem-se especialmente em vista fixar a quota parte a que cada um deles terá direito no momento da dissolução e partilha do património comum", cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol IV, 2.ª edição, pág. 437), não podendo assim qualquer dos cônjuges  alienar ou onerar uma parte (metade) de cada um dos imóveis comuns do casal, nem tão pouco a meação nos bens comuns, na constância do casamento, simplesmente porque ambos os cônjuges não são titulares de partes de bens. Tal como o património coletivo, também o património comum do casal, tem uma certa autonomia, embora limitada ao fim a que está efeto, e não obstante pertencer aos dois cônjuges, são ambos titulares de um único direito sobre ele.

Sabemos também que, de harmonia com o art.º 262.º/1, do CC, procuração é "o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos."

Ou seja, conforme ensinam Os ilustres Professores Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, pág. 240: “Dois requisitos são indispensáveis para que a representação produza o seu efeito típico, que é a inserção directa, imediata, do acto na esfera jurídica do representado (dominus negotii):

a) Que o representante aja em nome do representado do (contemplatio domini), neste aspecto se distinguindo a representação da chamada comissão.

b) Que o acto realizado caiba dentro dos limites dos poderes conferidos ao representante"

Ora, como dissemos, os bens não estão na titularidade dos cônjuges e, portanto, o negócio que o cônjuge patricar  não produzirá por assim dizer o efeito típico, que é a inserção directa, imediata, do acto na esfera jurídica do representado. Antes produzirá efeitos no dito património coletivo ou de mão comum.

Daqui resulta, quanto a nós, que o modo adequado para autorizar um dos cônjuges a praticar qualquer ato para o qual a lei exija o consentimento de ambos os cônjeges, quer se trate de bem próprio quer de bem comum do casal, será o documento de consentimento, salvo nos casos em que um dos cônjuges 'A' atribui ao outro cônjuge  'B' poderes para alienar ou onerar (ou praticar qualquer outro ato)  sobre bens próprios 'Á'. Neste caso sim, os efeitos do ato produzir-se-ão na esfera jurídica do constituinte. 

No entanto, como dissemos acima, entendemos que a atribuição de poderes a um dos cônjuges pelo outro, através de procuração, será equivalente ao consentimento. E dadas as raízes históricas, receamos mesmo que a utilização de documento de consentimento para os casos em que usualmente é utilizada a procuração (nos casos de o objeto do ato ser bem comum do casal) poderá levar à não aceitação por algumas entidades perante as quais é apresentado.

Relativamente à forma que o consentimento deve revestir, digamos que, por regra, e tal como a procuração, acompanha a forma exigida para o ato em questão.

Conforme ensina Antunes Varela, ' Direito da Família', Petrony, 1982, pág. 322, "A forma requerida para a manifestação do consentimento é a exigida para a procuração (art.º 1684.º, 2), que coincide, em regra, com a própria do negócio que o procurador deva realizar (art.º 262.º,2).

A questão que se coloca na procuração (e no consentimento conjugal), quando a lei apenas exija a forma verbal ou escrita, é a questão da prova. Na verdade "Nada obsta, porém, a que o terceiro com quem o cônjuge contrata, nos casos em que baste o consentimento verbal, se não contente com a informação verbal desse cônjuge e exiga a intervenção direta do outro cônjuge ou a documentação escrita da sua concordância" (idem, ibidem)

Mesmo no caso de documento escrito, se a assinatura não estiver reconhecida, se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade, pelo que poderá ser exigido o reconhecimento da assinatura. Por exemplo, para um dos cônjuges autorizar o outro a celebrar contrato de arrendamento, bastará documento de consentimento com o reconhecimento presencial da assinatura, cfr art.º 374.º do CC.

A nível de especificação do ato " O consentimento conjugal sempre que seja legalmente exigido não pode ser dado em termos gerais, deve ser especial para cada um dos actos (art.º 1 684, nº 1, do CC). Só assim se garante a reflexão e a ponderação que, com perfeito conhecimento de causa, a lei exige do cônjuge que consente no acto (Prof. Pereira Coelho, D. Família, Vol. I, 4ª Ed., pág. 396).

Ensina Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. 4º, 2ª Ed., pág. 308, que é necessário concretizar o acto, especificando a operação de que se trata.

Mas a exigência da especificação, continua tal Mestre, não envolve, porém, a necessidade de indicar todos os elementos do negócio a realizar, designadamente a identidade da pessoa com quem o contrato deva ser celebrado. Se não é especial a autorização dada, por exemplo, para vender bens imóveis, já deve considerar-se como tal o consentimento prestado para o outro cônjuge vender o prédio X, embora se não mencione o preço, nem a pessoa do comprador. Essencial é que o cônjuge autorizante saiba qual é a coisa a que a alienação por ele consentida se refere. E nada obsta mesmo a que a concretização se faça, na declaração, por via indirecta, por exemplo mediante a indicação da freguesia onde o imóvel se situa, contanto que a referência baste para, da posição do declarante, individualizar a coisa de que se trata." (in Ac. TRC, P.º 397/03.0TBACN.C1, de 19.01.2010, disponível em www.dgsi.pt)

A prática de um ato por apenas um dos cônjuges, sem o consentimento do outro, nos casos em que o consentimento é legalmente exigido, e sem o suprimento judicial, gera a anulabilidade do ato, cfr. art.º 1687.º/1, do CC.

A anulação pode ser requerida pelo cônjuge que não deu o consentimento ou pelos seus herdeiros, ressalvado o disposto nos n.os 3 e 4 daquele artigo, ou seja:

a) O direito de anulação pode ser exercido nos seis meses subsequentes à data em que o requerente teve conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos três anos sobre a sua celebração;e,

b) Em caso de alienação ou oneração de móvel não sujeito a registo feita apenas por um dos cônjuges, quando é exigido o consentimento de ambos, a anulabilidade não poderá ser oposta ao adquirente de boa fé.

"O terceiro que se aperceba entretanto do defeito do acto terá que aguardar a atitude do cônjuge cujo consentimento não foi obtido, durante o lapso de tempo concedido para o exercício do seu direito potestativo", (idem, pág. 323, nota 94 de rodapé).

Porém, de harmonia com art.º 174.º do CN, a entidade interveniente no ato, não pode recusar a sua intervenção com fundamento de o acto ser anulável ou ineficaz. Nestes casos deve advertir as partes da existência do vicio e consignar no ato lavrado (instrumento público, termo de autenticação ou reconhecimento da assinatura.

No entanto, à alienação ou oneração de bens (móveis ou imóveis) próprios do outro cônjuge, feita sem legitimidade, são aplicáveis as regras relativas à alienação de coisa alheia, cfr. art.º 1687.º/4, do CC. "São atos portanto sujeitos ao regime da nulidade (mista) prescrito nos art.ºs 892.º e seguintes, podendo a nulidade ser aguida a todo o tempo e por qualquer interessado, sem prejuizo dos devios que caracterizam o seu regime" (idem, pág. 324).Neste caso a entidade perante quem for requisitada a celebração do ato, deve recusá-lo, cfr. art.º 173.º/1/a do CN.

Em termos registrais, "Anteriormente à data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 116/2008, de 4/7, o artº 92º, nº 1, al. e) do CRPredial impunha a provisoriedade por natureza do registo decorrente “De negócio jurídico anulável por falta de consentimento de terceiro ou de autorização judicial, antes de sanada a anulabilidade ou de caducado o direito de a arguir”. O mencionado Decreto-Lei nº 116/2008, revogou aquela al. e) do nº 1 do artº 92º, pelo que, não obstante ser anulável o ato praticado sem o consentimento do outro cônjuge, o registo era efetuado como definitivo, pois, a anulabilidade não impede que o registo seja definitivo, salvo disposição legal em contrário.

Porém, nos casos anteriormente previstos naquela al. e) – falta de consentimento de terceiro ou de autorização judicial, antes de sanada a anulabilidade ou de caducado o direito de a arguir – pelo Despacho nº 112/2008, de 21.10.2008, do Exmº Sr. Presidente do IRN, I.P., foi estabelecido, não obstante o registo ficar definitivo, do extrato da inscrição dever constar a menção de que o negócio é anulável por falta de consentimento de terceiro ou de autorização judicial. Prestado o consentimento, ou obtido o suprimento judicial ou caducado o direito de a arguir, atualizar-se-á a inscrição, através de averbamento, de que conste “Sanada a anulabilidade” ou “Caducado o direito de arguir a anulabilidade”, conforme o caso.

No entanto, tendo a alteração operada ao artº 92º/1/e) do CRPredial, pelo Decreto-Lei nº 125/2013, de 30/8, repristinado a redação anterior ao Decreto- -Lei nº 116/2008, os atos em que falte o consentimento do cônjuge passaram novamente a ficar provisórios por natureza e não estão sujeitos a registo obrigatório, cfr. artº 8º-A, do CRPredial.", cfr Lopes de Figueiredo, Titulação de Negócios Jurídicos sobre Imóveis, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, pág.s 303 e 304.


II. Da procuração para fazer doação:

Refere o art.º 949.º/1 do CCivil, com a epígrafe "(Carácter pessoal da doação)": "Não é permitido atribuir a outrem, por mandato a faculdade de designar a pessoa do donatário ou determinar o objecto da doação, salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 2182.º"

E aquele n.º 2 do art.º 2182.º, com a epígrafe "(Carácter pessoal do testamento)" preceitua:

(...)

2. O testador pode, todavia, cometer a terceiro:

a) A repartição da herança ou do legado, quando institua ou nomeie uma generalidade de pessoas;

b) A nomeação do legatário de entre pessoas por aquele determinadas.

(...)"

Em anotações àquele art.º 949.º, escrevem os Srs. Prof. P. Lima e A. Varela (Código Civil Anotado, Volume II, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 272.) que "O carácter pessoal das doações ficou equiparado ao das disposições testamentárias, admitindo-se as mesmas excepções, que são a da repartição dos bens doados por uma generalidade de pessoas (os parentes do testador, os pobres de certa freguesia, os alunos de certa escola, etc.) e a escolha do donatário de entre as pessoas determinadas pelo doador – cf. artigo 2182º, nº 2 do CC - casos em que a vontade do terceiro em lugar de se substituir à vontade do doador, vem apenas completá-la ou executá-la, visto que esta já se encontra determinada nos seus aspectos fundamentais."

Assim sendo, a procuração para doar deve conter a indicação do donatário ou dos donatários (pela menção, p. ex., do nome e do NIF), podendo, face aos doutos ensinamentos, essa indicação ser feita de forma indireta (p. ex., todos os meus descendentes em primeiro grau), cabendo neste caso ao procurador fornecer os elementos de identificação no ato de doação.

A doação pode ter por objeto (objeto mediato, naturalmente) bens móveis ou imóveis, ou figuras parcelares desses direitos. Não pode porém abranger bens futuros, cfr. 942.º/1 do CC. São coisas futuras, cfr. art.º 211.º do CC, as que não estão no poder do disponente ou a que este não tem direito, ao tempo da declaração negocial. "São, por exemplo, coisas futuras as acções de uma companhia ainda não emitidas, os juros ainda não vencidos, a comissão prometida por um acto ainda não realizado, mercadorias ainda não fabricadas, etc.", cfr. Prof. P. Lima e A. Varela, op. cit., pág. 203.Os bens alheios são sempre considerados bens futuros e, por isso, excluídos do objeto de doações, cfr. art.º 956.º do CC.

No entando, a entidade que intervenha na procuração não terá que verificar se os bens indicados pelos constituintes dpadores para objecto da doação se encontram na posse deles. Esse tarefa incumbe à entidade que titular a doação. À entidade que intervém na procuração apenas se impõe que identifique os bens em concreto que vão ser objeto da doação, tendo por base naturalmente a vontade do constituinte ou dos contituintes doadores. Também neste campo, nos parece que esse individualização porderá ser feita de forma direta (para doar o prédio X), ou, face aos ensinamentos dos ilustres mestres, supra cirados, ser feita de forma indireta (p. ex., todos os imóveis de são titulares à data da doação em determinada freguesia ou localidade), cabendo também neste caso ao procurador fornecer os elementos de identificação dos bens no ato de doação.

O que, em nosso entendemos, não constando expressamente da procuração se a doação será  feita por conta da quota disponível do doador ou, o que é o mesmo, se o donatário fica dispensado da colação, nos casos em que esta tem lugar,não poderá o procurador dicidir sobre esse aspeto particular da doação, no caso de a doação ser feita a descendente e este ser presuntivo herdeiro legitimário do doador à data da doação.

Expliquemo-nos. Em princípio, desde que a doação tenha sido feita a descendentes presuntivos herdeiros legitimários do doador à data da doação, a colação é obrigatória; não se presume.

No entanto, como decorre do art.º 2105.º do CC, só estão sujeitos à colação os descendentes que eram à data da doação presuntivos herdeiros legitimários do doador, não estando sujeitos a colação os bens ou valores doados ao cônjuge do presuntivo herdeiro legitimário, cfr art. 2107.º/1 do CC.

Porém, a colação pode ser dispensada pelo doador no acto da doação ou posteriormente, pela mesma forma que revestiu a doação ou por testamento, salvo os casos em que a lei expressamente a presume dispensada, como são os casos das doações manuais e das doações remuneratória, cfr. art. 2113.º, do CC.

Ora, não constando da procuração que a doação é feita por conta da quota disponível, ou que o donatário fica dispensado da colação da doação (que é o mesmo, repita-se), não poderá, pensamos nós, o procurador incluir tal cláusula no contrato de doação. Queremos dizer, se nada constar da procuração sobre a dispensa ou não da colação ou que a doação é feita por conta da legitima do donatário ou da quota disponível do doador, não terá, entendemos nós, o procurador poderes para incluir tal cláusula e, então, nada dizendo a doação, esta presume-se feita por conta da legitima do donatário, se este for descendente e presuntivo herdeiro legitimário do doador à data da doação.

De harmonia com o art.º 2118.º do CC a eventual redução das doações sujeitas a colação constitui um ónus real, não podendo fazer-se o registo de doação de bens imóveis sujeita a colação sem se efectuar, simultâneamente, o registo do ónus, cabendo ao serviço de registo proceder oficiosamente ao registo deste ónus, aquando do registo da respetiva aquisição, cfr. art.º 97.º/1 do CRPredial.

Assim, não contendo a doação, ainda que referidos de forma indireta, elementos que permitam concluir se a doação está ou não sujeita a colação e, consequentemente, não dispondo o serviço de registo de elementos que lhe permita concluir sobre a existência ou não do ónus, só como provisório por dúvidas poderá o regista de aquisição da doação ingressar nas tábuas.

Deste modo, sendo a autonomia do procurador, naquele ato, muito limitada, e seguindo o salutar princípio, por nós defendido, de que os atos se devem bastar  si próprios, somos da opinião que a procuração contenha elementos que permitam determinar se a doação fica ou não sujeita à colação, de forma a que a entidade que titule a doação possa incluir esses elementos no ato.

Assim, bastará referir na procuração que atribui poderes para doar a seu filho F....., o prédio X, para se concluir, nada mais dizendo em contrário, estar a doação sujeita a colação. Mas se a doação é feita a quem não é presuntivo herdeiro legitimário, entendemos também dever essa circuntância ficar clara na procuração e, consequentemente, no ato de doação. Deste modo, se a doação é feita a um neto, que não é presuntivo herdeiro legitimário do doador à data da doação, tal facto deve constar (entendemos nós, atento aquele salutar princípio) da procuração e do ato doação, habilitando assim o serviço de registo a concluir pela inexistência do ónus de eventual redução da doação, dado esta não estar sujeira a colação. Dir-se-ia, neste caso, na procuraação e, consequentemente, na doação que o donatário não é presuntivo herdeiro legitimário do doador.

Do mesmo modo que, se nada constar da procuração, o procurador, quanto a nós, não poderá fazer as declaraçõoes a que se refere o art.º 2179.º do CC. Ou seja, segundo este art.º 2179, os bens havidos por um dos cônjuges por meio de doação (...) entram na comunhão, se o doador (...)assim o tiver determinado; entende-se que essa é a vontade do doador (...), quando a liberalidade for feita em favor dos dois cônjuges conjuntamente. No entanto, estes princípios não abrangem as doações (...) que integrem a legítima do donatário.

Quer dizer, os bens recebidos por doação entrarão na categoria de bens comuns quando:

a) Forem doados conjuntamente a ambos os cônjuges;ou,

b) Quando doados apenas a um, o doador declarar que devem entrar na comunhão.

No entanto, se forem doados por conta da legítima do donatário, os bens doados serão sempre bens próprios (cfr. art.º 1729.º/2, do CC), dado não esta não poder ser afetada (cfr. art.º 2156.º, do CC).

Assim, em uma procuração em que o constituinte doador indique como donatários o casal, filho e nora, sem nada acrescentar sobre se a doação é feita ao filho por conta da legitima ou da quota disponível, entender-se-á que a doação é feita ou fiho, na sua metade, por conta da legitima deste, e ao cônjuge, por conta da quota disponível, já que este não é herdeiro legitimário, ficando assim o bem em compropriedade (art.º 1729.º/2). Se da procuração consta que é doação é feita por conta da quota disponível, integraará os bens comuns do casal (art.º 1729.º/1, in fine). Em qualquer dos casos, entendemos nós, não  poderá (não terá poderes) o procurador para alterar a presunção prevista na lei.


III. Da procuração e o "negócio consigo mesmo" :

De harmonia com o art.º 261º/1, do CC, “é anulável o negócio celebrado pelo representante consigo mesmo, seja em nome próprio, seja em representação de terceiro, a não ser que o representado tenha especificadamente consentido na celebração, ou que o negócio exclua por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses”.

Conforme decorre do preceito legal, a proibição abrange duas situações:

a) Quando o representante detem poderes para representar determinada pessoa na celebração de certo ato ou negócio jurídico, e celebra esse ato negócio consigo mesmo; é o habitualmente designado 'negócio consigo mesmo stricto sensu' (art.º 261.º/1, 1.ª parte);ou,

b) Quando o representante age em representação de duas partes, com interesses antagónicos; é a habitualmente designada 'dupla representação' (art.º 261.º/1, 2.ª parte);

E não obsta a estas proibições o substabelecimento dos poderes. O art.º 261.º/2, estabelece que se considera o negócio celebrado pelo representado (por aquele que tenha substabelecido os poderes), no caso de haver substabelecimento dos poderes.

Resulta, desde logo, com clareza que a proibição tem em vista a defesa dos interesses do ou dos representados. No primeiro caso, o representante sentir-se-á tentado, a sacrificar os interesses do representado em benefício dos seus; e, no caso da dupla representação, poderá prejudicar os interesses de um dos representados em benefício do outro, cfr Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 4ª ed., 243.

Vejamos onde se situa o art.º 261.º, na estrutura do Código Civil:

SUBSECÇÃO VI
Representação
DIVISÃO I
Princípios gerais
Artigo 258.º - (Efeitos da representação)
Artigo 259.º - (Falta ou vícios da vontade e estados subjectivos relevantes)
Artigo 260.º - (Justificação dos poderes do representante)
Artigo 261.º - (Negócio consigo mesmo)
DIVISÃO II
Representação voluntária
Artigo 262.º - (Procuração)
Artigo 263.º - (Capacidade do procurador)
Artigo 264.º - (Substituição do procurador)
Artigo 265.º - (Extinção da procuração)
Artigo 266.º - (Protecção de terceiros)
Artigo 267.º - (Restituição do documento da representação)
Artigo 268.º - (Representação sem poderes)
Artigo 269.º - (Abuso da representação)
SUBSECÇÃO VII

Situando-se aquele artigo 261.º na Divisão I-(Princípios gerais) da representação, e a representação voluntária na divisão II, parece não restarem dúvidas que o designado 'negócio consigo mesmo' abrange não só a representação voluntária, como também a representação legal (de menores, de interditos e de inabilitados, bem assim o administrador de herança, etc.). No caso da representação legal, podemos mesmo ver o art.º 7.º/1 da Lei 23/2013, de 05 de março, que aprova o regime jurídico do processo de inventário, que estabelece que "O incapaz é representado por curador especial quando o representante legal concorra com ele à herança ou a ela concorram vários incapazes representados pelo mesmo representante."

Relativamente à representação de pessoas coletivas ( a designada 'representação orgánica') no nosso trabalho "TITULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICOS SOBRE IMÓVEIS, em especial por documento particular autenticado", 2.ª ed. Almedina, Coimbra, junho de 2014, pág.s 287 e segs. e que não sofreu alteração relativamente à 1.ª edição, e onde este assunto foi bastante desenvolvido, dissemos:

"O negócio consigo mesmo ou a dupla representação também se pode verificar na representação de pessoas coletivas pelos respetivos órgãos."

Alertamos porém para o art.º 397.º do CSC, que estabelece, para as sociedades anónimas, a nulidade dos os contratos celebrados entre a sociedade e os seus administradores, diretamente ou por pessoa interposta, se não tiverem sido previamente autorizados por deliberação do conselho de administração, na qual o interessado não pode votar, e com o parecer favorável do conselho fiscal ou da comissão de auditoria.

Relativamente às sociedades por quotas, também aí referimos que os negócios celebrados pela gerência com a sociedade carecem de deliberação dos sócios, na qual não podem votar, nem por si nem por interposta pessoa, os sócios que sejam simultaneamente gerentes, nos termos da al. g) do artº 251º do CSC.

Em qualquer destes casos estamos no âmbito do 'negócio consigo mesmo stricto sensu' (art.º 261.º/1, 1.ª parte) que, nos casos das sociedades por quotas, a falta de autorização dos sócios, em nossa modesta opinião, torna o ato anulável, nos termos do art.º 261.º/1, do CC.

Na nossa obra citada (idem, ibidem) referimos ser "controvertida a questão de saber se existe negócio consigo mesmo se o agente atuar como titular dos órgãos de duas ou mais pessoas coletivas.

As pessoas colectivas, não possuindo vontade própria, carecem de organismos físico-psíquicos, dotados de consciência e vontade, capazes de agir por si mesmos. São os designados órgãos deliberativos e executivos ou representativos, constituídos por pessoas singulares que, naturalmente não se confundem com os simples agentes ou auxiliares, os quais só executam por incumbência ou sob a direcção daqueles órgãos. Parte da doutrina e da jurisprudência, a que aí fizemos referência, considera que os órgãos sociais são a própria pessoa colectiva, fazem parte dela e a pessoa colectiva age através deles, melhor dito através dos titulares desses órgãos, e os actos destes, desde que dentro das suas funções de competência, consideram-se actos da pessoa colectiva em si mesma e conduzem quer à aquisição de direitos quer à assunção de obrigações que ingressam na esfera jurídica da pessoa colectiva.

Outra parte entende que entre os titulares dos órgaos 'representativos' há um nexo de representação. Veja-se a propósito o art.º 164.º/1, do CC, que manda aplicar às obrigações e responsabilidades dos titulares dos órgãos das pessoas colectivas (associações e fundações) para com estas,as definidas nos respectivos estatutos e, na falta de disposições estatutárias, as regras do mandato, com as necessárias adaptações. Também o art.º 6.º/5, do CSC parece fazer esta distinção entre titular dos órgãos sociais e o próprio órgão ao referir "a sociedade responde civilmente pelos actos ou omissões de quem legalmente a represente, nos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos comissários". O Sr. Prof. Raúl Ventura, em "Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, vol. III, pág. 129, refre "Se nos reportarmos ao próprio ato praticado pela pessoa física titular do órgão, não há que distinguir em nenhum aspeto, administração e representação. No aspeto da vontade, ela é formada e declarada pela pessoa física; é esta que decide praticar o ato e que efetivamente o pratica. O mecanismo da representação transporta automaticamente os efeitos para a esfera do ente coletivo", referindo mesmo (idem, ibidem, pág 8/9) que, desde que se distinga entre o órgão da sociedade e as pessoas físicas que são titulares do órgão, parece admissível que o órgão exista, embora temporariamente desprovido de titulares. E que, ao contrário das sociedades em nome coletrivo (art.º 197.º/1 do CSC) e para as sociedades civis, que já constava do art.º 985.º do CC, em que é atribuida diretamente a gerência a todos os sócios, tendo assim gerentes logo que se constituem, "uma sociedade por quotas pode ser formada sem contenporânea designação de gerentes, nem por força da lei, nem por designação pelo contrato de sociedade".

Face às duas posições, não é dificil concluir que, no caso da primeira, considerando os órgãos sociais como a própria pessoa colectiva, fazendo parte dela, e tendo a pessoa coletiva personalidade jurídica, há no negócio duas pessoas distintas, com órgãos representativos diferentes, não havendo assim dupla representação (não obstante o titular ou os titulares seja(m) o(s) mesmo(s), e seja(m) a(s) mesma(s) pessoa(s) fisica(s) a intervir no ato, embora titulare(s) de diferentes órgãos).

Contrariamente, para a segunda, considerando os titulares do órgão como representantes da pessoa coletiva, claro está que, sendo mesma pessoa fisíca a representar duas ou mais sociedades, há dupla representação, para efeitos do art.º 261.º/1, 2.ª parte do CC. Este comando legal (art.º 261.º/1) fere de anulabilidade 'o negócio' celebrado pelo representante consigo mesmo, seja em nome próprio, seja em representação de terceiro, a não ser que o representado tenha 'especificadamente' consentido na celebração, ou que o negócio exclua por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses.

Antes de mais, o preceito refere-se ao 'negócio' em geral, a não ser que o representado tenha 'especificadamente' consentido na celebração. São pois de evitar as procurações com poderes para praticar diversos atos ou negócios jurídicos, de forma ampla, acrescentando depois que o representante "fica autorizado a celebrar negócio consigo mesmo". Tais procurações nada especificam.

Depois fica igualmente afastada a anulabilidade se o negócio para o qual são atribuídos poderes excluir, por sua natureza, o conflito de interesses, ou seja, nos negócios em que não existem interesses antagónicos, ou quando o conteúdo do negócio está pré-determinado de tal modo que o representado não possa ser prejudicado pelo facto de o representante concluir o contrato consigo mesmo, quer em nome próprio, quer como representante de terceiro, cfr. *Profs Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4.ª ed., vol.I, pág. 243.

Ora, aquele preceito legal não qualificou o negócio consigo mesmo em que o representado não haja especificadamente consentido ou que por natureza estejam afastados eventuais conflitos de interesses como ineficaz por abuso ou por falta de poderes. Sancionou-o com a anulabilidade tendo em vista que, na ausência daqueles reauisitos, o interesse de determinada pessoa oupodiam não ser suficientemente acautelados, ficando assim estas com o direito potestativo de impugnar o negócio, tal como estabelece o artº287, nº1 do CCivil.

"Sucede, porém, que apenas têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece – art. 287º nº 1 do CC.

Assim, não basta ter interesse na anulação para legitimar a intervenção da parte que a invoca. Esse é o regime da nulidade. Aqui exige-se que seja a pessoa no interesse da qual a lei estabelece a anulabilidade, Há, portanto, que resolver sempre uma questão de direito e não, como na nulidade, apreciar somente o facto do interesse na destruição dos efeitos do negócio[12].

Ora, as pessoas em cujo interesse a lei estabelece a anulabilidade do negócio consigo mesmo são apenas os representados, excluindo-se os terceiros eventualmente prejudicados com o negócio[13].

Trata-se de legitimidade substantiva ou legitimidade em sentido material que traduz o complexo de qualidades que representam pressupostos de titularidade, por um sujeito, de certo direito que invoque[14].

Já o problema de saber se a referida qualidade emerge dos factos alegados pelo autor constitui questão de legitimidade processual[15], cfr. Ac. TRP, P.º 0835545, de 05.02.2009, disponível em www.dgsi.pt, e as correspondentes notas de rodapé:

[12] Pires de Lima e Antunes Varela, Ob. Cit., 264.
[13] Cfr. Acórdão do STJ de 14.10.2004, www.dgsi.pt; J. Duarte Pinheiro, Ob. Cit., 172.
[14] Castro Mendes, Direito Processual Civil, II, 174, que acrescenta: decidindo-se que certa pessoa não tem o direito de anular o contrato, o tribunal entra no mérito da causa, proferindo uma absolvição do pedido.
[15] Cfr. Lebre de Freitas, O conceito de interessado no art. 286º do Código Civil, em Estudos em Memória do Prof. Doutor José Dias Marques, 373."
A anulabilidade pode ser invocada no prazo de um ano após a cessação do vício e admite confirmação, de acordo com o previsto no artº288 do CC.


 IV. Outros casos de procurações com requisitos especiais :

Para além dos referidos, há ainda outros casos em que a lei exige que as procurações observem certos requisitos. Vamos enumerar alguns, sem pretenção de sermos exaustivos e que também não demandam grandes desenvolvimentos. Assim:


i) Procurações para casamento:

Apenas um dos nubentes se pode fazer representar por procurador na celebração do casamento e a procuração para representar um dos nubentes ou para concessão do consentimento necessário à celebração do casamento de menores, deve conter poderes especiais para o acto, a individualização do outro nubente e a indicação da modalidade (civil ou católica) do casamento, cfr.art.ºs 1620.º, do CC e 44.º do CRCivil.


ii) Procuração para registo predial:

Para pedir o registo predial, o representado necessita de procuração que lhe confira poderes especiais para o ato, salvo nos casos em que a representação se presume, não necessitando assim de procuração expressa, e que são:

a) Aqueles que tenham poderes de representação para intervir no respetivo título, nos quais se haverão como compreendidos os necessários às declarações complementares relativas à identificação do prédio;

b) Os advogados, os notários e os solicitadores, não se presumindo aquí porém os poderes para os pedidos de averbamento à descrição de factos que não constem de documento oficial.

A representação abrange sempre a faculdade de requerer urgência na realização do registo, subsiste até à feitura do registo e implica a responsabilidade solidária do representante no pagamento dos respetivos encargos.

Compete ao respetivo representante legal ou ao Ministério Público requerer o registo quando, em processo de inventário, for adjudicado a incapaz ou ausente em parte incerta qualquer direito sobre imóveis, cfr. art.º 39.º do CRPredial.


iii) Representação dos sócios em deliberações das sociedades:

Além das assembleias deliberações tomadas em assembleia geral, regularmente convocada, podem os sócios, em qualquer tipo de sociedade, tomar deliberações unânimes por escrito, e bem assim reunir-se em assembleia geral, sem observância de formalidades prévias, desde que todos estejam presentes e todos manifestem a vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre determinado assunto. e, desde que todos manifestem a vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre determinado assunto, aplicam-se todos os preceitos legais e contratuais relativos ao funcionamento da assembleia, a qual, porém, só pode deliberar sobre os assuntos consentidos por todos os sócios, cfr. art.º 54.º do CSC.

Em qualquer tipo de sociedade, o representante de um sócio só pode votar em deliberações tomadas em deliberações unânimes por escrito ou em assembleia geral, sem observância de formalidades prévias, se para o efeito estiver expressamente autorizado, cfr. art.º 54.º/4 do CSC

Nas sociedades por quotas:

a) Não é permitida a representação voluntária em deliberações por voto escrito, cfr. art.º 256º/1 do CSC;

b) O representante de um sócio só pode votar em deliberações tomadas em deliberações unânimes por escrito ou em assembleia geral, sem observância de formalidades prévias, se para o efeito estiver expressamente autorizado, cfr. art.º 54.º/4 do CSC

c) Os 'instrumentos' de representação voluntária que não mencionem as formas de deliberação abrangidas são válidos apenas para deliberações a tomar em assembleias gerais regularmente convocadas;

d) Os instrumentos de representação voluntária que não mencionem a duração dos poderes conferidos são válidos apenas para o ano civil respectivo.

e) Para a representação em determinada assembleia geral, quer esta reúna em primeira ou segunda data, é bastante uma carta dirigida ao respectivo presidente.

f) A representação voluntária do sócio só pode ser conferida ao seu cônjuge, a um seu ascendente ou descendente ou a outro sócio, a não ser que o contrato de sociedade permita expressamente outros representantes, cfr. art.º 256.º/2/3/4 do CSC


iv) Delegação de poderes de gerência (sociedades por quotas):

O gerente ou os gerentes pode(m) delegar em nalgum ou nalguns deles competência para 'determinados negócios ou espécie de negócio'. Até aqui, estamos no plano interno de poderes de administração, cfr. art.º 261.º/2, 1.ª parte, do CSC. Mas, mesmo nesses negócios, os gerentes delegados só vinculam a sociedade se a delegação lhes atribuir expressamente tal poder, cfr. 262.º/2, do CSC (2.ª parte). Dois requisitos especiais, pois: um) delegar apenas entre gerentes; dois) Especificar os atos, não atribuindo assim poderes de forma genérica, para diversos negócios; três) verificar e fazer constar da delegação que o gerente delegado ou os gerentes delegados fica(m) com poderes para vincular a sociedade.


v) Procurações passadas pela gerência de sociedades por quotas:

A gerência pode, através dos gerentes que obrigam a sociedade e desde que disponham de poderes para o efeito, nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados actos ou categorias de actos, sem necessidade de cláusula contratual expressa, cfr. art.º 256.º do CSC. Dois requisitos especiais, pois: um) Os gerentes que outorguem a procuração disporem de poderes para praticarem pessoalmente os atos para os quais vão atribuir poderes; dois) Especificação dos atos a praticar em nome da sociedade, que não poderão ter caráter genérico.


5. Obrigatoriedade do registo no endereço eletrónico www.procuracoesonline.mj.pt, das procurações ditas irrevogáveis "que contenham poderes de transferência da titularidade de imóveis":

LEGISLAÇÃO:

a) Lei n.º 19/2008 de 21 de Abril
Artigo 1.º
Registo de procurações irrevogáveis
É criada no âmbito do Ministério da Justiça uma base de dados de procurações, sendo de registo obrigatório as procurações irrevogáveis que contenham poderes de transferência da titularidade de imóveis, a regulamentar pelo Governo no prazo de 90 dias a contar da data da entrada em vigor da presente lei.

b) Decreto Regulamentar n.º 3/2009 de 3 de Fevereiro
Artigo 1.º
Objecto e finalidade da base de dados
1 — É criada no âmbito do Ministério da Justiça uma base de dados de procurações destinada a organizar e manter actualizada a informação respeitante às procurações, em especial a relativa às procurações irrevogáveis que contenham poderes de transferência da titularidade de imóveis.
2 — A base de dados tem por finalidades:
a) Criar meios adicionais para o combate de fenómenos de corrupção associados à utilização de procurações irrevogáveis para transacções imobiliárias;
b) Criar meios adicionais para a verificação dos poderes dos representantes que utilizem procurações em negócios jurídicos.
(...)
Artigo 2.º
Registo de procurações
1 — São obrigatoriamente registadas por meios electrónicos junto do Instituto dos Registos e do Notariado, I. P., pela entidade perante a qual foram outorgadas, as procurações irrevogáveis que contenham poderes de transferência da titularidade de imóveis e as demais procurações irrevogáveis cuja obrigatoriedade de registo venha a ser estabelecida por lei.
2 — Sempre que ocorra extinção da procuração registada nos termos do número anterior, a mesma é obrigatoriamente registada por meios electrónicos pela entidade que titulou a extinção.
3 — Os registos referidos nosn.os 1 e 2 são promovidos no próprio dia, ou no dia útil imediato, a contar da data da outorga ou da titulação.
4 — Se, em virtude de dificuldades de carácter técnico respeitantes ao funcionamento do site referido no artigo 3.º ou do envio electrónico de documentos, não for possível aceder ao sistema, este facto deve ser expressamente mencionado no documento a registar, devendo o registo do mesmo ser efectuado nas vinte e quatro horas seguintes.
5 — As procurações referidas no n.º 1 apenas produzem efeitos depois de registadas nos termos do presente decreto regulamentar.
6 — Também pode ser promovido o registo por meios electrónicos junto do Instituto dos Registos e do Notariado, I. P., de quaisquer outras procurações celebradas por escrito, independentemente da forma pela qual sejam outorgadas.
7 — O pedido de registo referido no número anterior pode ser promovido pelo mandante, pelo mandatário ou pela entidade perante a qual for outorgada a procuração ou reconhecidas as respectivas assinaturas."
(Notas:)

 c)  Portaria n.º 307/2009 de 25 de Março
Artigo 1.º
Objecto
A presente portaria estabelece os termos em que se processa a transmissão electrónica de dados e de documentos relativos ao:
a) Registo obrigatório de procurações irrevogáveis que contenham poderes de transferência da titularidade de imóveis e das demais procurações irrevogáveis cuja obrigatoriedade de registo venha a ser estabelecida na lei e respectiva extinção;
b) Registo facultativo de outras procurações celebradas por escrito, independentemente da forma pela qual sejam outorgadas e respectiva extinção.
Artigo 2.º
Designação do sítio
Os registos electrónicos referidos no artigo anterior fazem -se através do sítio na Internet com o endereço www.procuracoesonline.mj.pt, mantido pelo Instituto dos Registos e do Notariado, I. P. (IRN, I. P.).

d) Portaria n.º 696/2009 de 30 de Junho
Artigo 1.º
Objecto
A presente portaria estabelece os termos e condições da disponibilização de acessos electrónicos com valor de certidão às procurações registadas através da Internet.
Artigo 2.º
Certidão permanente de registo de procurações
1 — Designa -se por certidão permanente de registo de procurações a disponibilização do acesso à informação, em suporte electrónico e permanentemente actualizada, da reprodução dos registos em vigor e dos documentos arquivados para os quais os registos remetam, respeitantes a uma procuração registada electronicamente.
(...)

e) Portaria n.º 286/2012 de 20 de setembro
Artigo 9.º
Alteração à Portaria n.º 696/2009, de 30 de junho<
Os artigos 3.º e 4.º da Portaria n.º 696/2009, de 30 de junho, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 3.º
[...]
1 — O acesso previsto no n.º 1 do artigo anterior efetua -se mediante a disponibilização de um código de acesso, que permite a visualização da informação através da Internet, durante o prazo de validade da certidão permanente.
2 — O pedido de acesso à certidão permanente é efetuado no sítio da Internet com o endereço www.procuracoesonline.mj.pt, mantido pelo Instituto dos Registos e do Notariado, I. P. (IRN, I. P.)
Artigo 4.º
Código de acesso
Após o pedido de certidão permanente, é disponibilizado ao requerente um código que permite a sua visualização no sítio da Internet referido no artigo anterior, a partir do momento em que seja confirmado o pagamento dos montantes devidos.»
Artigo 10.º
Aditamento à Portaria n.º 696/2009, de 30 de junho São aditados os artigos 4.º -A e 4.º -B à Portaria n.º 696/2009, de 30 de junho, com a seguinte redação:
«Artigo 4.º -A
Prazo de validade
1 — A certidão permanente é disponibilizada pelo prazo de um, três ou cinco anos, podendo ser renovada por iguais períodos de tempo.
2 — A renovação da certidão permanente deve ocorrer até ao limite do prazo de duração.
Artigo 4.º -B
Encargos
1 — Por cada pedido de subscrição ou de renovação do acesso à certidão permanente é devido o pagamento das seguintes taxas:
a) Por um ano, € 10;
b) Por três anos, € 20;
c) Por cinco anos, € 40
2 — As taxas previstas no número anterior constituem receita do IRN, I. P.


|| 1 | 2 ||


Copyright© 2015 lopes de figueiredo e-mail: davidfigueiredo@hotmail.com